IRA
Ela perdeu a razão por um motivo tão forte, que foi tomada por uma explosão de sentimentos. Perdera a capacidade de raciocinar, rasgando-se com uma espada mais afiada que uma navalha. Estava em conflito com o mundo externo e de costas para si mesma. Naquele momento estava armada com um projetil com a forma de romã, confundindo-se com uma bomba. Com a granada entre os dedos, vociferava aos quatro cantos, coisas que aqui, não ousaria repetir. O que ela sentia não tinha nada haver com ódio: era ira. Não desejava vingar-se do mundo. Não planejara nada contra ninguém. Apenas reagia a anos de silêncio, de incapacidade, de desejos estuprados, de lampejos de loucura, de fúria, de vergonha, de solidão. Isso mesmo: a ira dela era uma reação a tantos anos de sofrimento. Mas nada nela era racional: era toda emoção. Acontece que cresceu largada num canto, filha de pais equivocados, que mal tinham tempo para si mesmos, que dirá para ela. A mãe: uma mortalha ambulante, vivia porque via o outro viver. O pai: um vegetal fúnebre, arrastava-se como um molambo, que não serve nem para limpar o chão. Um casal roto e estropiado, que trouxe ao mundo um estorvo como eles. Ela não sabia o que eram valores morais, muito menos o que era ser amada. Tinha a alma ao avesso, horas sendo materialista, noutras consumista, remarcando o valor das pessoas pelo peso do dinheiro. Não via que depois do amanhã vem o porvir. Não via que somos espíritos infinitos. Não via que a vida na Terra é uma passagem. Se parasse um átimo de segundo para pensar, entenderia que esse curto espaço de tempo, que em média dura de sessenta a cem anos no corpo físico, é apenas um milésimo de segundo no tempo de Deus: que é a eternidade. Não reencarnamos para nos acomodarmos ao luxo e a riqueza. Passamos a vida tentando provar ao outro e a nós mesmos que somos importantes, e deixamos de lado o melhor de nós mesmos. Chegamos e saímos piores do que éramos antes. E na maioria das vezes, quando voltamos, é com a missão de começarmos tudo de novo: expiarmos nossas faltas, apenas para recuperarmos a nós mesmos. Deixamo-nos para trás muitas vezes. Sabotamo-nos o tempo todo. Se somos capazes de puxar o nosso próprio tapete, que dirá o que faríamos ao outro, se não fosse politicamente incorreto, mostrar a todos e a cada um, a nossa ausência de caráter. Por isso: camuflamo-nos. Fingimos ser o que não somos. E o pior: acreditamos nisso. Alguém que é capaz de transformar uma mentira numa verdade, é como um alquimista que diz que é capaz de transformar bosta em ouro. O luxo vira lixo. O homem torna-se objeto de si mesmo. Quem devora o próprio ser é capaz de cometer os maiores desatinos. Assim acontecia com ela. Deixou-se de lado tantas vezes, que agora vomitava-se aos pedaços. Queria expulsar-se de si mesma. Deixar a água escapar pelo ladrão. Não aprendeu a se amar. Repetiu o mesmo erro dos pais, que passaram a vida, fugindo de si mesmos. E quanto mais dizia que não queria ser como eles, mais perto deles se aproximava. Até tornar-se, pasmem!, pior que os pais. Agora estava ali, mais suja do que pau de galinheiro, irada feito um bicho, com o diabo no corpo, possuída por uma força demoníaca, que de tão intratosférica, rastejava dois milímetros abaixo do chão.
Manejando a espada como faca ou punhal, rasgou-se em tiras bem fininhas, como se assim pudesse livrar-se, do mal de si mesma.
IRA™ © copyright by betto barquinn 2011
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
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Pra variar, você me deixou sem palavras de novo. Esse seu "Ira" é a prova de que você é um escritor de primeira. Você vai longe, amigo. Sucesso!
ResponderExcluirMuito inteligente. Vir ao seu blog dá orgulho! Você é um escritor mundial. Qualquer cultura assimila os textos que você escreve, porque são tão profundos, e ao mesmo tempo tão acessíveis, que suplantam as peculiaridades de cada povo, porque sentimento todo mundo têm. Você é de fato um grande artista. E como todo artista é um provocador. Percebo que você, leva-nos, seus leitores, a confrontarmos a nós mesmos. Muuuuuuuuuuuito bom, Betto! Abraços mil!
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