O LEÃOZINHO






Quando eu era guri, ia todas as tardes ao jardim zoológico, depois da escola. Chegava em casa correndo, jogava a mochila na cama, deitava no chão, e ficava olhando para o teto, imaginando como seria quando lá chegasse. O animal que mais gostava era o leão. Tinha um leãozinho que devia ter a minha idade. Uns quatro ou cinco anos e nada mais. Talvez seis ou sete, não sei. É... Uns oito ou nove e nem um segundo a mais. Sei lá... Eu tinha três anos. Éramos vizinhos do parque onde ficava o zoológico. Mamãe arrumava-me todo. Brilhantina no cabelo, roupa de festa, tênis de mola e uma frasqueira disfarçada de sacola. Nela levava doces. Muitos doces. Tinha algodão-doce, paçoca, pirulito, brigadeiro, sorvete, suspiro, torta de limão, maria mole, pé de moleque, cocada, maçã do amor, caramelo, pipoca e bala de goma. O leãozinho adorava! Ele não podia comer. Era proibido alimentar os animais. Mas ele comia. Dava escondido. Colocava as guloseimas no bolso e ia dando aos pouquinhos. Se via o guarda do parque: disfarçava. Se via uma criança, doava-lhe umas balinhas de chocolate, para ela dar ao leão. Tinha outro animal que eu adorava: a foca. Ela mandava beijo e batia palma para mim. Eu cantava “Parabéns a você” e ela rodava. Eu cantava “Atirei o pau no gato” e ela sorria. O parque era uma alegria. Além do zoológico tinha um circo. Mas eu preferia ficar com os bichos do zoológico do que com os bichos do circo. Naquela época era assim: bicho no picadeiro. Hoje parece improvável. Todo mundo sabe que circo não é lugar de animal. Animal no circo só se for o bicho homem. O circo era uma festa. Tinha até um leão. Mas esse era velho, cansado, parecia um gato molhado. Não rugia, não sorria, não dava a patinha, não brincava de 'passar anel' ou de 'bão-balalão, senhor capitão'. Era feio, sujo, esquisito. Tinha também elefante, macaco, cavalo, cobra e um coelho que saía de uma cartola de mágico, junto com uma pombinha branca. Mas era deprimente. O circo foi feito para gente. Bicho fica enjaulado. Aparece no picadeiro e some. Bicho no circo é errado. Bicho no circo não é bom, não.

Meu leãozinho, ao contrário do leão do circo, era ágil. Corria, brincava, pulava, abanava a calda, tinha uma juba enorme e gostava de mim. Era meio vermelho, meio laranja, meio amarelo, sei lá... Tinha cor de vida, de esperança, parecia um rei. Ficávamos juntos até o zoológico fechar: lá pelas cinco da tarde. Ali, eu estudava. Ali, fazia o dever de casa. No parque larguei a chupeta. No parque abandonei a mamadeira. Passei a comer de tudo no parque. Mamãe preparava comida para mim e para o leão. Se comia uva: o leãozinho comia também. Se comia laranja: era uma banda para mim e outra para ele. Se comia espinafre: dividíamos como se fôssemos irmãos.

Ainda hoje amo o meu leão. Não tenho tempo para vê-lo, mas amo assim mesmo. Quando volta à Porto Alegre não passo um dia sem mimá-lo. Hoje vivo no Rio de Janeiro, lugar difícil para um forasteiro como eu, que do Rio Grande partiu, em busca de um sonho. Realizei o sonho, casei, tive filhos, fiz fortuna, descasei. Talvez um dia eu volte para minha terra querida, compre um sítio no parque, plante semente de abacate, case de novo, tenha mais filhos, e leve o leãozinho, que agora é leãozão, para morar comigo. Nessa história só tem um perigo: Descobrir que o paraíso ficou do lado de cá.








O LEÃOZINHO™ ©  copyright by betto barquinn 2011
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Comentários

  1. Que lindinho, Betto. Como você escreve bem, querido. Muito fofo esse texto. Deus abençoe. Vou lê-lo para o meu filho. Você devia escrever também para crianças. Estou aqui feliz da vida. Muito bom começar o dia lendo Betto Barquinn. Beijokas!

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  2. Luana Bulhões de Carvalho9 de setembro de 2011 às 15:12

    Muito doce o texto, Betto. Você é meu escritor predileto, lindo! Bjs!

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  3. Mágico, Betto. O seu blog é mágico! Felicidades, amigo. Abs!

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