NO REGRETS
A vida é muito curta para ficar aqui contando barata. Você foi embora e deixou em mim o vazio. Do alto da minha miopia, a visão embaçada me dá vertigem. Tenho vontade de sair correndo e virar a próxima esquina: para nunca mais voltar. Porque a vida é muito curta para ficar aqui: contando barata. Eu passei dos limites. Tive medo de perder e o tombo foi maior do que eu esperava. Olho pela janela e vejo carros lá fora. Viver no segundo andar desse prédio me enche de tédio. A noite é fria, e se conto estrelas, é porque não tenho muito o que fazer. Tive dias ruins. As duas últimas semanas foram tétano em potes de sorvete. Fui ao fundo do poço e fiquei com sono. Vi o absurdo do mundo e tive medo. Talvez esteja ficando maluco. E não venha com seus conselhos tirados de receita de bolo. Sua relação com o mundo me dá calafrio. Ando tão distante de mim, que quando me olho no espelho, não me reconheço. Dia desses, peguei-me dando ‘bom dia’ para mim: na vitrine de uma loja. Passo os dias ruins: rezando. Noutros: passo os dias ruins fazendo qualquer coisa que não seja pensar em você. Tenho a fé abalada. Meus pais não me procuram mais, desde que eu, insensato que sou, disse-lhes coisas impublicáveis. Eu quis ser imortal e agora estou aqui: conversando com um vampiro. Vejo sílabas caídas no chão e nem sei ao certo de onde vieram. O teto da sala parece de vidro. Isso. Eu tenho teto de vidro. Isso mesmo. Sou um homem com teto de vidro. E por mais incongruente que seja: insisto em jogar pedra no telhado dos outros. Embora ‘os outros’ sejam eu mesmo. Acabei de limpar o freezer. A sujeita deste loft me apavora. Tem um pedaço de pizza debaixo da cama. Guimbas de cigarro perdidas no sofá. Eu quero sair daqui. Este apartamento me dá medo. Às vezes ouço uns barulhos tão uníssonos, que pareço invadido por um coral. Os vizinhos do andar de cima, parecem não fazer mais nada, além de arrastarem os móveis pela sala. Ontem contei os cem passos que eles deram em cinco minutos. Devem ter um elefante no quarto. Uma girafa no banheiro e um rinoceronte na sala. Quero ver gente de verdade. Estou cansado do povo desse prédio. Todos aqui vivem organizando as suas vidas medíocres, como se fossem o último biscoito do pacote. Uma gente encruada, com andar lento, voz embargada, nariz empinado, cara de nojo e mais nada.
O vazio que você me deixou parece que vai me partir ao meio. Hoje acordei com a sensação de estar grávido. Logo eu, que nem útero tenho: grávido. ‘Deve ser gravidez psicológica’ – pensei. ‘Se até os cachorros têm, porque eu não posso ter?’. Por que eu? Por que não eu? Acho que estou enlouquecendo. Logo eu, que achava que ficar maluco era o problema, agora estou enlouquecendo. Pensei em lhe pedir ajuda. Pensei em fritar um ovo para nós dois. De sobremesa: pipoca doce de microondas. E depois: sexo. Esquece. Se a gente não transava quando as coisas iam bem, que dirá agora que tudo vai mal. Não, neném. Desse susto eu não morro. Droga! Cá estou eu contando barata. Sei lá... Melhor sair agora, antes que resolva ficar aqui para sempre.
NO REGRETS™ © copyright by Carlos
Alberto Pereira dos Santos 2011
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY CARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS
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"No regrets" é muuuuuuuuuuuito bom! Você escreve lindamente, amado. Parabéns, meu rei! Parabéns!
ResponderExcluirGenial, Betto! Adoro os seus textos! Você está escrevendo cada vez melhor. Sucesso, brow! Abs!
ResponderExcluirMuito grato por conhecer o seu blog. Você vai fundo na dor, mas com poesia, otimismo e bom humor. Seu texto é profundamente elegante. Você escreve tão bem que envolve o leitor em sua trama. Poucos escritores conseguem isso. Um dom absolutamente seu. Parabéns, rapaz. Você vai longe! Abraço.
ResponderExcluirVocê escreve tão bem que eu quero um Betto Barquinn só pra mim! Onde vende??? hahahahahaha!
ResponderExcluirI love you, gatinho! Bjs!
Você é sofisticadíssimo, Betto. Seu blog emana elegância. Os textos são clássicos, que serão sempre contemporâneos, porque falam dos sentimentos humanos. Amo muito tudo isso! Lindo, lindo, lindo meu rei! Abs!!
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