AVAREZA







Ele acreditava no devir. Naquela mudança constante que exemplifica a perenidade de algo ou alguém. E silenciosamente repetia as palavras de Heráclito, que dizia: "O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo de hoje". A vida é assim: muda toda hora. Muda todo dia. Para nos fortalecermos, nada melhor que uma boa noite de sono com um belo sonho no recheio. Sendo assim, ele seguia cheio de esperança, algumas vezes pisando em ovos, noutras andando sobre chão em brasa, mas com a mesma desenvoltura de quem sem saber direito o que é, dança conforme a música, respeitando a todos e a cada um, sem incomodar-se com nada nem ninguém. Ele era um homem bom. Se tinha amor em excesso, doava-o em doses homeopáticas. Se tinha abraços e beijos, distribuía-os aos montes. Se tinha dor: chorava. Se tinha medo: rezava. Se tinha solidão: recostava-se num canto, pegava um cobertorzinho de lã, e cobria-se de sonhos. Era um doce de pessoa. Tão doce que dava dó perturbá-lo. Então, o deixávamos quietinho, para que os dias passassem por ele como torrões de açúcar. E quando estes eram agridoces, cantávamos uma canção de ninar. Afinal, se a vida têm um gosto meio amargo, meio doce, o melhor é degustá-la aos pedaços, para que cada fatia da vida, seja a descoberta de um eterno amanhecer.


Ele era um homem bom eu já disse. Mas acontece que dia desses, descobriu a avareza. Passou a comportar-se como quem tivesse tatuado na alma, um dos sete pecados capitais. Não era católico, mas apostólico. Então, sabia que como cristão, ser avarento era um ato abominável. Não entendíamos o porque desse apego inesperado à matéria. Logo ele, que era todo espírito, agora estava ali, cheio de egoísmo. Tinha medo de perder o que possuía. Tinha dificuldade de abrir mão do seu mundo de plástico. E a simples ideia de trocá-lo por qulquer coisa, deixava-o desesperado. Não entendia que perder nem sempre é um desastre. Às vezes é preciso perder para ganhar. Esquecera daquele velho ditado, que diz: “Vão os anéis, ficam os dedos”. Por isso queria-os todos: anéis, dedos, mãos, braços, pernas, coração.  Mas a vida é cíclica. As coisas mudam o tempo todo. Vão e voltam, trazendo consigo a esperança perdida. E o que é a esperança? A esperança “é” e ponto final. Assim sendo, os dias pariram novos dias, e graças a Deus, quando estava prestes a tornar-se um chato de galocha, leu algo que dizia:  “O devir é a lei do mundo. Os fenômenos se repetem, é verdade, mas não se repete o mesmo fenômeno: o raio de hoje é sempre um raio, mas não é aquele de ontem; os seres viventes são sempre classificáveis em espécies, mas os seres que vivem hoje não são mais aqueles do passado. Aliás, cada coisa jamais é a mesma; dia a dia perde e conquista algo, mesmo quando aos nossos olhos, desapareceu para sempre...”.
 
Daí em diante parou de ser avarento. Acabara de descobrir a pólvora. Não havia inventado a roda, mas tinha pés para caminhar. Voltou a ser uma alma caridosa, capaz de distribuir amor até num copo d’água. ‘O amor é a assim’,  pensou: Curtinho como um sonho, mas capaz de adventos incomensuráveis’.
  



AVAREZA™ ©  copyright by betto barquinn 2011
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN

Comentários

  1. Impossível não ficar ficar feliz após ler um texto de Betto Barquinn. Esse blog me encanta, Betto. Deus abençoe. Bjs!

    ResponderExcluir
  2. Bettão! Tu escreve muuuuuuuito meu irmão! Vida Longa ao Rei! Abração, brow!

    ResponderExcluir
  3. Rita de Cássia Mesquita10 de agosto de 2011 às 10:06

    Muito legal este texto. Seu estilo próprio encanto porque além de escrever muito bem, você coloca poesia em coisas que, se escritas por outros escritores, pareceriam sem graça. Gosto muito de vir ao seu blog. Você é genial! Bjs!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

ETERNAMENTE ANILZA!

PRESSENTIMENTO

COLOQUE O AMENDOIM NO BURACO DO AMENDOIM