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Ele andava aborrecido com Deus. Dizia não entender porque o Criador o fizera preto, pobre e brasileiro. “É demais para um ser só no mundo” reclamava. “Não podia ter decidido que eu nasceria só preto? Ou só pobre? Ou pelo menos estrangeiro?” argumentava. “Mas não, me deu o pacote Master!”. Nessas horas, sentia-se desprotegido, e dizia: “Vivo em um país onde as pessoas primeiro enxergam a cor da pele, que denota invariavelmente a “raça”; embora todos saibamos que a única raça humana existente no planeta Terra é a humana mesmo; depois veem a aparência, as roupas que o indivíduo usa: e já calculam que ele não tem nada além de vento na carteira; e sabendo que o outro é brasileiro: fazem pouco caso. Porque brasileiro não gosta de brasileiro. Afinal de contas, o Brasil é o único país no mundo, que valoriza mais o que vem de fora do que o que vem de dentro” lamentava. E precisando desabafar, lá ia ele desfiando o seu rosário: “Eu tenho muito orgulho da minha cor. Depois de trezentos e oitenta e oito anos de escravidão no Brasil, os negros finalmente estão conseguindo caminhar com as próprias pernas. Eu estudo, trabalho, dou um duro danado, mas sei que um dia hei de ter meu lugar ao sol. Mas quando esbarro com o preconceito, o racismo, a desvalorização da classe operária; fico com minh’alma em frangalhos. Parece que as pessoas querem que eu me sinta menor. Já não basta descender de um povo que é tratado feito gado por este país? É como se o negro pobre no Brasil, estivesse predestinado a se dar mal. Muito triste. Muito triste mesmo”.

Ele andava de mal com Deus. Mas estava prestes a fazer as pazes. Pois um dia irá perceber que a vida é assim. O Criador coloca pessoas como ele no mundo, que contestam a sociedade em que vivem, porque é a partir delas que surgirá a mudança. É de fato desastroso viver em uma sociedade em que o indivíduo não é respeitado pelo que é; todavia pelo que tem: ou pelo que parece ter ou ser. Deve ser muito difícil alguém se olhar no espelho e ter que passar a vida perguntando: “o que há de errado comigo?”. Talvez quem nunca passou pelo preconceito, não saiba o que é isso. Mas mulheres, negros, gays, deficientes físicos, e tantos outros, sabem muito bem o que é. Desnecessário, eu diria. Se a humanidade compreendesse que todo mundo é igual, tudo seria diferente. Porque isso que chamam de “diferença”, é algo tão pequeno, que é microscópico. Entretanto, há o tal do umbigo; que todo mundo faz questão de lustrar diariamente, que impede que vejamos o umbigo do outro. Devíamos ter nascido com o umbigo na testa. Assim seria fácil identificar o umbigo mais bem dotado: de orgulho, de vaidade, de empáfia, de egoísmo.

A vida em um mundo de provas e expiações é dificílima. Mas um dia ele saberá que tudo muda. O preconceituoso, o racista, aquele que humilha o outro porque o outro é pobre: todos esses morrerão. Inclusive aqueles que por eles são menosprezados. Entretanto, uma nova sociedade nasce a cada dia. E junto com ela, nascem novos Espíritos na Terra. E serão estes, que a seu tempo habitarão o planeta, que farão do Brasil e do mundo: um lugar melhor. Mas por enquanto; ser brasileiro, preto, pobre, gay, mulher, deficiente físico, e tantas outras coisas, ainda é muito penoso. Fazer o quê? A sociedade é o reflexo daqueles que nela estão. Logo se vê quão atrasados são os Espíritos que habitam o planeta Terra. Todos nós, ainda apanharemos muito na vida, até aprendermos o que é ser gente. A vida ensina. Por isso digo que aqui se faz, aqui se paga. O que é nosso está guardado. Cedo ou tarde, cada um de nós, receberá o seu quinhão.







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