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Ele sentia-se menosprezado pela vida. Rauê era o seu nome. Ele não tinha o que todo mundo almeja hoje em dia: fama, beleza, dinheiro, sucesso, poder. Tinha, não. Era até feio por fora. Mas por dentro... Ah, por dentro... Por dentro era um mar de rosas. 

Rauê achava o ser humano pouco inteligente. Ah, esqueci de dizer: Rauê era um cão. Um cão de rua. Um vira-lata cheio de pulga. Carrapato dava até para contar... Latia de vez em quando. Vez por outra: mordia. Mas era só de vez em quando. Ele gostaria de ter sido adotado. Ter pai e mãe como todo mundo. Mesmo que fosse um ser humano num quadro pendurado na parede. Mas ninguém o quis perfilhar.

O cão vivia feito um cão sem dono. E isso deixava-o deprimido. O ser humano é pouco inteligente. Isso não deixava-o contente. Acho que viveu mais de vinte anos. Era isso que o povo dizia. Mas tenho cá minhas dúvidas... Como um bicho tão maltratado pode ter durado tanto?

Hoje Rauê está morto. Ficou só na lembrança. E como ninguém é para sempre, um dia me encontro com ele.    


Eu sei o que se sente um cão. No passado já fui um. 


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