CRAZY

- março 05, 2012

Ele tinha alegria a dar com pau. Mas pelo avançado da idade, a felicidade tinha aberto concordata. O relógio do tempo havia quebrado. Porém, mesmo tendo sido esquecido pela morte, por um golpe de azar ou de sorte, sentia o osso estalar. O seu corpo estava falido, o espírito carcomido, tinha a alma fora do lugar. Era um velhinho boa praça: daquele que dá pipoca para pombo. Estava na terceira idade da terceira idade. E embora vendesse saúde: estava velho demais.

Eu acho que ele morreu de desgosto. Pois se tivesse podido, escolheria viver. Dizem que padeceu do mal da idade: velhice é o seu nome, pois foi de velhice que o velho morreu. Dizem que gostava de poesia, que lia de noite e de dia, até a vista cansar. Morreu dormindo feito um passarinho: sereno que só. Seu corpo foi velado na igreja, serviram café com cerveja, para o velório animar. Teve até Música de Câmara, tocaram Chopin e Tchaikovsky, para a tristeza aliviar.

Ele era bom. Eu sei disso. Contudo, o se passamento, mexeu com a gente por dentro, enchendo o peito de dor. Melhor por um ponto final nesta prosa, pois uma dor horrorosa, me dói só de lembrar. O que era aquele corpo estirado num canto, a flor tampando-lhe o terno, é difícil dizer. Puseram até um caderno pra mode a gente escrever. Era um caixão coberto por dentro de ceda cerzida de amor. Fizemos rateio, passamos o chapéu, compramos flanela e linho pra ele ficar bonitinho. “Vá com Deus para a terra dos pés juntos”, – pus-me a dizer, – com medo dele esquecer.

Termino aqui meu rabisco. Espero ter-me feito entender. Esta foi uma singela homenagem ao homem que viveu sem sofrer. Ele era só alegria, e até poesia, tratou de fazer. Agora termino de vez esta prosa. Sei que já disse isto antes, mas antes foi só a aurora, de um tempo que não volta mais. Desculpe essas mal traçadas linhas, que são mais dele, do que minhas.

Podem levar o caixão.