APESAR DE VOCÊ
Hoje é o primeiro dia da minha vida sem o álcool. O primeiro dia do meu vazio: Só por hoje. O que eu estou sentindo? Nada. Não estou sentindo nada. Guardo no peito um pressipísio, e na sombra do vazio, uma vontade imensa de jogar-me. Devo ou não, suicidar-me? Não. Parei de beber por que não dava. Não dava para viver assim. Desperdicei a minha vida. Desperdício de sonho: de saúde, de vontade. O orgulho e a vaidade atropelaram-me com o pior de mim mesmo. Vivi a esmo. Esmaeci. ‘Bebo para esquecer’ – eu disse. ‘Bebo para aliviar a minha dor’ – pensei. Quis matar minha poesia num gole de covardia. Matei a minha alegria. Sofri pelo medo de sofrer. Mas ainda tenho medo. Medo de não conseguir. Medo de subtrair. Medo de voltar a ser aquela triste figura de outrora. Medo de não sair daqui agora. Sim, sou alcoólatra: mas não bebo. “Amanhã vai ser outro dia”, – diz a letra da canção. E onde estará minha alegria? Onde foi parar meu coração? Que solidão é essa que apavora-me? Onde foi parar minh’alma, cândida aurora? Que solidão é essa que faz-me companhia? Que ser humano sou eu, capaz de dizer coisas tão belas, de fazer coisas tão sérias, e ao mesmo tempo desistir de mim e voltar a beber? Bebo para esquecer. Sim: esquecer. Esquecer que sou um doente. Esquecer que sou um demente: deprimente. Um vampiro da boa-vontade alheia. Tirei de mim tudo que podiam me dar. Tirei do outro a minha auto-piedade. Minha família: sofre. Meus amigos: sofrem. E eu sofro por eles. Minha ignorância aniquila-me. Minha falta de vergonha é de dar nojo. Sou um verme. Não. Sou desnecessário. Não. Sou uma farsa. Não. Sou um covarde. Não. Minh’alma arde. Mas não me julgue. Não queira estar na minha pele. Não queira saber o que é viver a minha vida. É fácil julgar-me: Quero ver ser eu. Socorro! Tenho medo! Medo de ser isso que sou. Medo de não acordar desse pesadelo. Só por hoje: medo. Só por hoje: bebo. Não! Não vou beber: vou ficar acordado. Dormir, não. Dormir me dá medo. Vou ficar acordado com essa garrafa de vodka na mão. Não! Meus melhores porres são de whisky. 'Mais uma dose, por favor': Cowboy, baby! Cowboy! Não. Vou ficar acordado e ler um livro. Melhor jogar tudo fora. Não. Melhor tomar absinto agora. Não! Melhor parar de escrever. Vou ler um livro. Talvez assim eu pare de pensar e esqueça essa vontade louca de beber. Talvez eu consiga. Não! Eu tenho que conseguir! É hora de limpar-me. Pelo amor de Deus: Pára com isso! Pelo amor de Deus: alguém me ajude! Isso: sou forte. Eu consigo. Só por hoje. “Amanhã há de ser outro dia”, – diz a letra da canção: A evidência trágica do fim. Por favor, não se mate! Jure para mim: Sim. Largue esse fuzil, Ernest!
– Boa noite, Hemingway.
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Muito bom, cara! Muito bom mesmo! Conheci o blog agora, li o texto e já virei fã!!! Sucesso!!! Abs!
ResponderExcluirQuerido e amado Betto,
ResponderExcluirO seu texto é de uma profundidade extraordinária. Lendo-o encontro tantas nuances, tantas metáforas, muitos sentimentos. O legal do seu texto é que tem uma mensagem escondida atrás de cada palavra. Podemos encontrar as nossas mais secretas emoções expostas nas entrelinhas. Seu texto nunca é banal. Percebe-se também o distanciamento do autor e do personagem. Difícil alguém nos dias de hoje escrever tão bem assim. Você busca a qualidade do texto e isso fica evidente em cada palavra. Que você é capaz de escrever sobre qualquer tema, isso é claro como água. Que você é capaz de comover os seus leitores, isso é óbvio. Então, meu caro, só me resta dizer: Parabéns Betto!
Bjs, da sua mais nova fã e leitora,
Jussara Camargo.
Adorei, Betto! Você é um escritor de mão cheia! Está pronto, meu caro. Sucesso!
ResponderExcluirOi Betto! Cara, o seu blog é o maior barato. Legal ler coisas tão profundas assim. Logo você que é tão careta, escrevendo sobre um viciado em álcool. Talento é assim, né cara. O escritor não preciso viver aquilo para escrever sobre aquilo. Você é mega observador, inteligente e sagaz o suficiente para escrever sobre qualquer coisa. Sai pesquisando e escreve tão bem, que quem lê acha que é sobre você. Ainda mais sendo na primeira pessoa, o que dá a entender ao leitor que o escritor e o narrador, ou o narrador e o personagem, são a mesma pessoa do autor. Genial! Muito talentoso, Betto! Meus parabéns!
ResponderExcluirDepois de ler um texto tão bem escrito, só me resta dizer: Sucesso, brother! Abs!
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