VINGANÇA

Hoje o telefone tocou e alguém do outro lado da linha me recitou poesia. Falou-me de Clarice Lispector, de Carlos Drummond de Andrade, de T.S. Eliot. Depois passou para Shakespeare, Fernando Pessoa e Ferreira Gullar. Hoje o telefone tocou. Fazia mil e duzentos dias que não tocava. E eu ali, parado, esperando o telefone tocar. Lembrei-me de Manuel Bandeira e de Friedrich Schiller. Recordei-me de Olavo Bilac e de Gonçalves Dias. E do outro lado da linha, aquela voz ofegante, me recitava poesia. Contou-me sobre Mário Quintana. Apresentou-me a poesia simbolista de Jean-Nicolas Arthur Rimbaud. Presenteou-me com Lya Luft. Deliciou-me com Filippo Tommaso Marinetti. Ouvi mais Lêdo Ivo e Bashô Matsuo. Mas o que me encantou foi ler Li Po. Conheci Dante Alighieri. Apaixonei-me por Dostoiévski e Nietzsche. Aprendi a amar Pablo Neruda. Descobri Ascenso Ferreira, que eu amo tanto. Mas não me esqueço de: Johann Wolfgang von Goethe. Fiquei perplexo ao escutar João Cabral de Melo Neto. Fiquei perplexo ao ouvir Vladimir Maiacóvski. E o que considero poesia, Lupicínio Rodrigues, por amor ou por vingança, não quis mais me falar de Florbela Espanca. Encantei-me com Augusto dos Anjos. Mas não ouso repetir o que disse-me Paulo Leminski. Porque tenho medo de Quevedo: Francisco de Quevedo Villegas me dá medo. Miguel de Cervantes e Sor Juana Inéz de la Cruz, – hambre. O telefone ficou mudo. Comecei eu mesmo a ler poesia. Li Álvaro de Campos. Li Cecília Meireles. Li Murilo Mendes. Li Cézar Vallejo. Depois do outro lado da linha, a voz que emudecera, voltou. Era de novo o som do mundo. Do outro lado do mundo. Ah, samba e poesia. A cotovia. Há, todavia. Então recitou-me Luíz de Camões. Reconheci no tom de sua voz que se tratava de Cruz e Souza. Mas o que me fez chorar tinha a alma de Castro Alves. Um gosto de doce nas mãos. Um toque de paladar nas palavras. Hoje o telefone tocou e lá estava: Alejandra Pizarnik e mais nada.                 

Eu também perdi o rumo em algum momento da vida: Pero aquí estoy e aquí me voy a quedar.

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