LOVELESS
"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros." (Clarice Lispector)
Hoje acordei mergulhado no colo de Clarice. Estava lendo “Como uma Corça”. Larguei o livro. Não sei como o texto termina. Não sei como será o meu fim. Só sei que sinto nas mãos o perfume de carmim. Caminhei por senzalas. Negro forro não fui. Passeei por alamedas. Minh'alma muitas vidas possui. Fui rei. Fui rainha. Fui um lago em Madagascar. Arrumei minhas moradas onde mais pude morar. Tive filhos. Fui pastor. Muitas ovelhas guiei. Fui leão. Fui condor. Fui estrela: Sou amor. Há um vento em minhas costas. Muitas costas visitei. Há um vento em minhas costas. Há amores em mim, eu sei. Quero mais. Voo infinito. Quero mais. Infinito eu sou. Vou ao infinito. Paro e penso. Logo existo: Sou amor. Pedra rara. Preciosa. Fruto cítrico. Laranja. Acerola. Pera. Uva. Maçã. Salada mista. Vista. Vista-se! Louco amor. Há revistas de cinema. Arrivistas. Medo. Dor. Há pessoas que são raras. Pedra preciosa. Sim, eu sou. Não sei voar. Mas eu voo. Solto os pés e o chão me empurra para cima. Largo o céu e as nuvens me empurram para baixo. Não sei sonhar com os pés no chão. Não sei voar sem usar as mãos. Não sei amar sem usar o coração. Minh'alma calma. Verde-anil. Eu grito. Pulo. Esperneio. Verde. Ver-te. Varonil.
O sorriso doce que não é açúcar nem sal. A relva. O ardor. Aquele que foi e não voltou. Sim, fui cachoeira. Fui lamento. Fui unguento. Fui canoa rio abaixo. Fui a alma do riacho. Fui à palma desse chão. Fui à alma do riacho. Tacho de mel. Mel de tacho. Melado. Melaço. Pesquei no mato. Cacei no mar. Levei flores para Iemanjá.
Tenho asas de papel. Uma grande. Outra pequena. Não sou feio nem bonito. Sou aquilo que acredito. Sou homem. Sou mulher. Sou humano. Sou colher. Sou a veia que inflama. A pedra no sapato. A solidão passageira. A pedra no caminho. Sou assim, assim. Tenho muita alma dentro de mim. Meu espírito torto me emociona até debaixo d'água. Às vezes rio tanto que às vezes choro. Às vezes sinto tanto que às vezes oro. Tenho a alma cortada em pedaços. Uns grandes. Outros pequenos. Meu corpo não sabe nada. Minha mente guarda mil segredos. Minha tristeza é tão profunda que não sente nada. Quando entro em mim, sinto fome. Quando saio de mim, sinto frio. Às vezes, rio. Noutras, arrepio. Tenho fome de pão. Tenho fome de Deus. Sem Ele, sinto-me só, mesmo não estando só. Mas não tenho fome de mais nada, não. Às vezes quero. Às vezes pego. Noutras, abandono. Mas nunca desespero. Essa felicidade que me move, sempre me comove. Por isso vivo emocionado. Na ausência de mim há fado. Na ausência de mim há medo. Eu mergulho para dentro de mim toda vez que sinto fome. E saio novo de novo. Minha andança pela estrada da vida ensinou-me a não pegar atalho. Sigo em frente rumo ao desconhecido de mim mesmo. Fui tantos que agora comungo a missão de todos. Não sou diferente de ninguém. Sou diferente de mim mesmo, apenas. Às vezes grito. Às vezes, calo. Noutras, apenas obedeço. Não sei qual é a Lei do mais forte. Não quero ser o Espantalho de Darwin. Não me interessa quem manda no mundo. Meu universo é oco. Se quero chorar, eu choro. Se quero sorrir, sorrio. Meus vazios sempre vão e vem. Meu coração nunca me incomoda. Tenho a paz guardada no peito. Um grão de arroz perdido no bolso. Um grão de areia solto no universo. Às vezes, caça. Noutras, caçador. Às vezes, astronauta. Noutras: Lua, meu amor.
Não sei quem fui. Só sei quem sou. Não, não é isso. Não sei quem fui nem sei quem sou. Só sei que me procuro em todos os lugares. Dos mais remotos aos lugares mais lugares, que de tão lugares que são, lugares hão de ser, lugares hão de ir, lugares hão de ter: Lugares. Lugares infinitos. Lugares que eu acredito; nunca hão de acabar.
Hoje acordei meio barro, meio tijolo. Meio aliche, meio muçarela. Não sei quem fui. Não sei quem sou. Só sei que hoje acordei, mergulhado no colo de Clarice.
Com amor,
Lispector.
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O que eu mais gosto na sua literatura Betto, é que você tem o Dom de encantar os seus leitores, trazendo sempre coisas novas. Seu blog se renova diariamente. No meio de tantos textos, não existe um texto sequer, que seja igual ao outro. Um escritor tão bom, que escreve sobre qualquer assunto, merece todo o sucesso do mundo. Parabéns, Betto. Parabéns por ser tão genial! I LOVE YOU, MEU REI!!! Bjs!
ResponderExcluirMuito lindo, Betto! Amei!!!
ResponderExcluirMuito bom, amigo! Abs!
ResponderExcluirAi, Betto... Os seus textos me deixam tão emocionada, que faltam-me palavras para externar todo o meu amor por você. Clarice Lispector, se estivesse por aqui, sentiria muito orgulho de você. Parabéns, meu Rei! Beijos!
ResponderExcluirVocê escreve com a força de mil furacões, Betto. Adoro os seus textos porque eles parecem vindos do mais profundo do seu ser. Parabéns por mais esse sucesso, meu caro. E por criar personagens tão maravilhosos! Abs!
ResponderExcluirlembrar clarice e sua profundidade é sempre gostoso ... meus vazios sempre vão e vem ... é a nossa vida e são as nossas escolhas ...
ResponderExcluirobrigado por compartilhar o texto, muito bom para iniciar o sábado ... abração, meu chapa !
Betto você é genial! Parabéns!!!
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