EU NÃO SOU DA SUA RUA
O raposa e o espelho:
Era uma personalidade profundamente machucada pela vida. Havia sido humilhada tantas vezes, que acostumara-se a andar com a tez ao rés-do-chão. A tristeza, que fora a companheira de todas as horas, tornara-se insuportável. Ela, niilista que só, entendia que viver era pesado demais para suas costas cansadas. Devido ao adiantado da hora, não aguentaria o martírio de um grão de areia sobre os ombros. Mesmo que esse grão de areia viesse pousado num tufo de algodão. Pois este teria a massa do mundo. Arqueada, com o peso de uma tonelada, e com a alma atormentada, ficara ali esperando o inevitável chegar. Para ela a ventura era o imobilismo do espírito. Declarava que a felicidade estava atrasada há mais de meio século em sua vida. Foi com Nietzsche que dizia ter aprendido essas coisas. Embora Nietzsche jamais tivesse dito uma palavra a esse respeito. Não dessa forma. O que ele escrevera, foi que assim como ela, muitos sofriam daquilo que diagnosticara como a doença do seu tempo, — referindo-se ao século XX. Ele observara que as pessoas sofriam de um certo descrédito do mundo e de si mesmas. Ele só apresentara a paisagem ao quadro, e o artista à tela, mas ela que era dada a obviedades, entendera errado. Para ela, niilista passiva, a vida mostrava ao indivíduo certos valores que não existiam. “É a prova de que viver não faz o menor sentido” — afirmava. “Deste modo, o indivíduo falsifica-se, colocando-se à venda, como um quadro de Amadeo Modigliani comprado na feira” — argumentava. “Pois no fundo não existe Deus; muito menos eternidade. Apenas vida e morte e ponto final”.
Ao ser apresentada ao niilismo ativo, também conhecido por niilismo-completo, ela foi parar no fundo do poço, — declarando que a saída para todos os entraves da vida, era a morte. Quieta num canto, dizia: “E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência — e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!’. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!’ Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: ‘Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?’ pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?’” — trazendo para si o conceito do “Eterno Retorno”, — de “Assim falou Zaratustra”, — de Friedrich Nietzsche. Ao dissertar sobre esse e outros pensamentos com o espelho, este então lhe respondeu:
— Você é maior do que a soma de suas tristezas. Portanto, seja feliz e prove a si mesma, que está acima delas.
Ela saiu pelo mundo pregando a paz e o amor entre os homens e nunca mais foi a mesma.
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