UMA VEZ MAIS




Essa história poderia chamar-se “Três mulheres e um poema”, ou simplesmente “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, ou ainda, “Seja dona do seu próprio nariz”. Então, já que não nos decidimos sobre o título, vamos contas três histórias iguais, e diferentes, pois todas falam do mesmo tema.

A primeira, “Três mulheres e um poema”, começa assim: Ela dizia que o tempo é cruel com as mulheres. Mais do que com os homens. “Com o tempo a pele feminina perde o viço. Aí, adeus juventude!” — reclamava. Um homem de meia idade é um charme. Uma mulher de meia idade é uma velha! — resmungava. Ela falava de si mesma. Naquele instante não se preocupava com as outras. Vinha se achando velha para a idade que tinha. Depois de três filhos, cinco netos, dois casamentos fracassados e um cachorro com catarata, ela estava cansada. Todo mundo havia construído a sua própria história… Não precisavam mais dela. Era a primeira vez que sentia-se assim: encostada num canto feito uma vassoura velha. Não havia serventia para mais nada. “As donas de casa também envelhecem” — concluiu. O amor, que sempre fora seu Farol de Alexandria, aos poucos foi esvaindo-se de suas mãos. Achava que, a essa altura da vida, nenhum homem com algum neurônio na cabeça, apaixonaria-se por ela. Era a depressão da meia idade. Esquecera-se que era uma mulher bonita. Até porque todas as mulheres são bonitas. A mulher é o tipo de ser que tem a beleza incorporada à alma. Gorda ou magra, alta ou baixa, conservada ou envelhecida, toda mulher possui algo indestrutível dentro de si. E a beleza faz parte desta eternidade que só as mulheres possuem. É uma predisposição para a verdade, o bem e o belo. Pois toda mulher é uma dádiva de Deus. Mas ela, cansada da vida que levava, não se dera conta que envelhecer não é apenas rugas, cabelos brancos, ou coisa parecida. Envelhecer é adquirir experiência, é compreender que fazer escolhas é trocar isso por aquilo, é pagar o preço da própria história, é poder ir e vir de cabeça erguida; pois do tanto que se viveu, há de se ter uma cota de auto estima para nos manter de pé. Mas ela era feliz e não sabia. Era ela “Três mulheres e um poema”: a primeira trata-se de sua mais tenra idade: a menina de lacinhos no cabelo. A segunda é a jovem sonhadora que viera ao mundo para ser feliz. E a terceira é aquela que ao chegar à meia idade, acha que viveu tudo que tinha que viver. E onde fica o poema?! Bom… o poema vem no final. Aguarde!  

Vamos à segunda história: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Ela estava sozinha no restaurante. À sua frente uma garrafa de vinho do Porto. Na mesa ao lado, um homem de cabelos grisalhos. Ele tinha um furo no queixo. Havia sorriso no rosto. Parecia um executivo de multinacional. Tomava um refrigerante diet e petiscava um pote de amendoim. Havia ali um livro e um laptop. Horas ele lia alguma coisa no livro, horas fuçava no computador. “É o tipo de homem para casar” —  pensou. “Na certa deve ser bem dotado!” — brincou. Era o vinho fazendo efeito. Ficaram os dois ali, mergulhados no próprio mundo, durante um tempo. Uma hora entreolharam-se. Ele sorriu para ela. Ela abaixou a cabeça. Era o amor que nascia naquele instante. Duas horas depois estavam num motel. Ela nem se importara de ir para cama com um desconhecido, ainda mais no primeiro encontro. Encontro este, diga-se de passagem, que nem havia sido marcado. Mas era o amor… fazer o quê… viver. E ela viveu. Viveu cada segundo com aquele homem. Ele nem se importara dela ter celulite. Para ele celulite era acessório: tal encosto de cabeça com tela LCD para carro. Algo que só valorizava o produto. Ele sabia o que era bom. E aquela mulher interessantíssima, que falava coisas que todo homem gosta de ouvir; inteligente, engraçada, perfumada, de pele macia; era maior que qualquer celulite. Até porque mulher que não tem celulite é boneca de plástico. E ele gostava das de carne e osso. Naquele instante, tudo que ela achava que era defeito, para ele era virtude. Estava nos braços de um homem de verdade. Não era ele que ia se incomodar com celulite! Seis meses depois, casaram-se. E estão juntos até hoje.

A terceira história, “Seja dona do seu próprio nariz”, é a sequência das que acabamos de contar. Sim, estamos falando da mesma mulher. Aquela dona de casa que achava-se sem serventia nenhuma, que tem no curriculum um cachorro com catarata, dois casamentos fracassados, três filhos e cinco netos; que encontrou o homem da sua vida num restaurante; que fora com ele para o motel no primeiro encontro; e que descobriu que um homem maduro não quer namorar com a Barbie: a boneca de plástico. Um homem maduro quer namorar com uma mulher de carne e osso, que tem celulite, que tem defeitos, e é cheia de virtudes. Pois como já dissemos: toda mulher é uma dádiva de Deus. Eles se casaram, lembra? E como também já dissemos: estão juntos até hoje. Lá se vão mais de dez anos de união estável. Agora, ele não é tão de meia idade assim; os cabelos grisalhos ficaram brancos; o sorriso continua o mesmo; e o furo no queixo ainda é seu charme. Sentindo-se profundamente amada, ela muito bem resolvida, voltou a estudar e formou-se em psicologia. Começou a tratar de mulheres como ela, que não se sentiam mais belas. Ele, que como ela previu, era um executivo de multinacional; abandonou o emprego, e abriu o próprio negócio. Agora era dono daquele restaurante aonde os dois se conheceram. Na verdade, naquele dia que se viram pela primeira vez, ele estava lá para fechar negócio. Pois então… não só comprou o restaurante como abriu mais três. Era homem viajado, gourmet refinado, sommelier de primeira, sabia um pouco de cada coisa, e isso foi fundamental para que o negócio desse certo. Além de exímio administrador, algo que fazia com o pé nas costas, ele entendia de gastronomia como ninguém. Enquanto os restaurantes prosperavam, o casamento ia muito bem, obrigado. Era um casal feliz. Os filhos e netos dela, juntaram-se aos filhos e netos dele, e formaram uma família linda de viver. O cachorro com catarata foi operado e agora enxerga mais que muita gente. Os ex maridos dela, vez ou outra, aparecem: no natal, no aniversário dos filhos e dos netos; para visitar o cachorro, essas coisas. As ex mulheres dele, quando aparecem, são só elogios ao casal. Tudo na mais perfeita ordem.             

Neste ponto, estamos chegando ao fim das nossas três histórias iguais, mas diferentes, já que todas falam do mesmo tema: o amor na meia idade. Espero que tenha sido do seu agrado. Ah, ainda falta o poema! Aí está:

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena
(Fernando Pessoa)

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

O final da nossa história chama-se “Uma vez mais”. Termina assim: Ela dizia que o tempo é cruel com as mulheres. Mais do que com os homens.



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