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Ele era um sujeito emblemático. Quase uma figura de linguagem. Andava com uma bengala, pois dizia que se Anton Tchekhov o visse na rua, gostaria dele. Havia lido “A Gaivota”, “Tio Vânia”, “As Três Irmãs” e “O Jardim das Cerejeiras” a poucos dias. Todos ao mesmo tempo. No final, misturava os personagens. Mas aprendeu o fundamental: caso encontrasse com Tchekhov, puxaria assunto com ele em russo. Sim, ele falava russo. Aprendera por intermédio dos livros. Era um auto-didata. Um homem submerso no texto, que deixava dúvidas por onde passava. Ninguém sabia ao certo quem era. Uns diziam que viera das estrelas. Outros, de outra galáxia. O que todos tinham certeza é que era um homem sábio. Dizia coisas que ninguém queria ouvir, mas ouvia. Era um modernista. Comungava do mesmo pensamento de Édoudard Dujardin, William James e James Joyce: o fluxo de consciência. Buscava o mergulho na alma e vivia embrenhado no monólogo interior. Era homem dado a Fiódor Dostoiévski e Liev Tolstói. Mas não parava por aí. Seu vazio interior era preenchido por Samuel Becket, John dos Passos, William Faulkner, Guimarães Rosa, Autran Dourado e Hilda Hilst. Era homem “Perto do Coração Selvagem”. Era, de certo, Clarice Lispector de calças. Aliás, Clarice era seu livro de cabeceira. Para ele, a melhor escritora que Deus pôs no mundo. “Há outras, certamente, nas bandas de lá do céu. Outras, parecidas, diga-se de passagem. Iguais, nunca! Porque melhor que Clarice não há. Agora, nas bandas de cá, Clarice é o que há!” — dizia. E para encerrar o assunto, toda vez que concluía o raciocínio, ele não citava nem Tchekhov nem Clarice: muito menos os demais. Acabava sua prosa com Virginia Woolf, que para ele, era uma dama com lenço no pescoço:

                “Como a humanidade é louca, pensou ela ao atravessar Victoria Street. Porque só Deus sabe porque amamos tanto isto, o concebemos assim, elevando‑o, construindo‑o à nossa volta, derrubando‑o, criando‑o novamente a cada instante, mas até as próprias megeras, as mendigas mais repelentes sentadas às portas (a beberem a sua ruína) fazem o mesmo; não se podia resolver o seu caso, ela tinha a certeza, com leis parlamentares por esta simples razão: porque amam a vida. Nos olhos das pessoas, no movimento, no bulício e nos passos arrastados; no burburinho e na vozearia; os carros, os automóveis, os ônibus, os camiões, homens‑sanduíches aos encontrões, bamboleantes; bandas de música; realejos, no estrondo e no tinido e na estranha melodia de algum aeroplano por cima das nossas cabeças, era o que ela amava, a vida, Londres; este momento de Junho. Porque era em meados de Junho”. (Mrs. Dalloway, 1925, trad. port. Lisboa, Ulisseia, 1982, pp.5-6)




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