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Uma mãe como todas as outras:

Ana Maria sempre quis ser mãe. Mas por ter útero bicorne não conseguia prolongar a gestação por mais de três meses. Sofreu cinco abortos espontâneos. Para ela, a ideia de adotar uma criança nunca foi um problema. E embora o seu maior sonho fosse gerar o próprio filho, a adoção era a opção possível. Para tal, procurou informa-se sobre os trâmites legais, buscou os órgãos públicos habilitados para essa função, deu entrada na papelada, foi às palestras para candidatos à adoção, e em pouco mais de um ano, eis que toca o telefone. Era o assistente social, dizendo: “Senhora, precisamos conversar”. Ana Maria ficou apreensiva, mas radiante. Finalmente teria a oportunidade de exercer a maternidade com todo amor do mundo. Ela que se preparara para ter uma criança em seus braços, estava prestes a realizar o sonho.

Ao chegar ao Centro de Convivência Infantil (CCI), Ana Maria deparou-se com um dilema. O assistente social disse-lhe que a criança em questão era um menino, três anos de idade, negro, portador da Síndrome de Down. A futuro mãe levou um susto. Quanto ao fato de ser um menino, tudo bem. Três anos, ótimo. A cor da pele ou a raça, indiferente. Agora, adotar uma criança com distúrbio genético, era algo que Ana Maria não sonhou. Criar um filho já é uma responsabilidade imensa. Ainda mais se esse filho é portador de necessidades especiais. Ana Maria congelou de medo. Vendo-a extremamente emocionada; e já era de se esperar essa reação, pois ninguém deseja ter um filho com dificuldades de habilidade cognitiva e desenvolvimento físico, o assistente social abraçou-a. Era o ombro amigo que faltava. Naquele instante, sentindo-se protegida, Ana Maria chorou. A cada lágrima, ela que é médica, pensava: Provavelmente o menino sofre de retardo mental leve, moderado ou profundo. Ainda pode padecer de patologia do refluxo gastroesofágico, apneia do sono obstrutiva, otites recorrentes, disfunção da glândula tireoide e defeitos cardíacos congênitos. E, obviamente, olhos com forma diferenciada devido às pregas nas pálpebras, tônus muscular pobre, prega palmar transversa, língua profusa e membros pequenos. Silêncio.

Embora a condição de vida do portador de Trissomia do cromossoma 21 tenha melhorado um pouco, ainda assim é difícil. É necessário colocá-lo em uma escola especializada em educação inclusiva, por conta da dificuldade de aprendizagem e convívio social. Ou matriculá-lo em uma escola convencional, correndo o risco da criança não se adaptar ao ensino por ter necessidades educativas especiais, e portanto, precisar de atendimento diferenciado. Além dos problemas de saúde que possam surgir. Também tem a ignorância, que é a falta de informação e conhecimento, tanto dos pais quanto dos docentes e demais funcionários das escolas. Isso sem tocar no preconceito, que envolve a sociedade como um todo. Ela pensou nessas, e em uma infinidade de outras possibilidades, enquanto olhava para o nada com os olhos marejados. O assistente social percebeu a dor daquela alma aflita. Era uma mãe aprendendo a dar o primeiro passo em direção ao filho. Filho sim, porque mesmo sem conhecê-lo, Ana Maria amava aquele garoto. Já amava-o antes mesmo dele nascer. Amava-o porque amava-o. Ana Maria veio ao mundo com um único propósito: ser mãe.    
 
Refeita do susto, Ana Maria pediu para conhecer o menino. O assistente social autorizou o encontro, ordenou que trouxessem a criança, e em menos de cinco minutos Ana Maria conheceu seu rebento. A reunião foi rápida. Durou cerca de dez minutos. Os dois olharam-se, o garoto sorriu, Ana Maria sorriu, abraçaram-se. Ana Maria disse eu te amo no ouvido do menino. O menino sorriu. Ana Maria chorou. O assistente social achou por bem encerrar o encontro. Quando o garoto saiu, o assistente social perguntou: “E então, senhora Ana. Como ficamos?” Ana Maria não perdeu tempo: assinou o que tinha que assinar e foi para casa. Lá chegando, arrumou tudo, saiu, foi ao shopping, comprou o que precisava comprar, aguardou a autorização do juiz; em pouco mais de um mês o telefone tocou novamente: era do orfanato; correu ao encontro do assistente social, rubricou os papéis da adoção, correu em direção ao menino, deu-lhe um abraço apertado, e disse-lhe: “Vamos para casa!”.

O tempo passou, o menino agora é um adolescente de dezesseis anos, chama-se Pedro Gabriel; que aliás, acabou de ingressar na faculdade de Direito. Quer ser juiz da Vara da Infância e da Juventude, o rapaz. Sim, Ana Maria passou pelas mesmas dificuldades que toda mãe passa. E também por toda alegria que vem no pacote. Pedro Gabriel teve algum problema de saúde ao longo de seu crescimento, entretanto superou-o. As dificuldades de aprendizagem ocorrerem: e foram várias. Contudo, o que uma mãe não faz por um filho? Hoje Pedro Henrique é um rapaz sociável, estudioso, ótimo filho, ótimo amigo. Há até uma moça, que ele não gosta que falemos o nome (porque é tímido), que é o amor da vida dele. Como eu sei disso? Eu sou o assistente social da história. Casei-me com Ana Maria no mesmo ano em que ela adotou o menino. Isso mesmo… acertou. Pedro Henrique também é meu filho. 

Há coisas que só o amor constrói. Uma delas é a família.


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