REVENDO AMIGOS




Tem um mendigo que gosta de mim. É uma amizade sincera. A recíproca é verdadeira. Eu gosto dele como ele gosta de mim. Toda vez que nos encontramos, e isso se dá quase todos os dias, sorrimos um para o outro. Temos uma espécie de cumplicidade abarroada. Viver é nosso aguilhão. Ambos temos nossas dores e nossas alegrias. Os nossos sentimentos aproximam-nos muito mais do que nós de nós mesmos. Fico um tanto sem graça ao me referir a ele como “mendigo”. Vivemos na era do politicamente correto, e de certa forma, causa-me um certo estranhamento em falar do meu igual, como um pedinte. Eu sei que ele não é só isso. Nenhum ser humano é uma coisa só. Nem planta nem bicho o são. Todos temos um algo mais a oferecer, e a ser, que às vezes o outro não percebe. Há um pouco de má vontade nisso. A gente acaba lustrando demais a própria carapaça, e esquece que o outro também tem seus brios. Melhor seria chamá-lo de morador de rua. Mas esta expressão também me incomoda. Morador de rua é sujeito sem teto. E me dá medo não ter um teto para proteger meu pobre esqueleto.

Então ando por demais incomodado. Incomodo-me com a falta de educação das pessoas. Tudo parece ser tão para ontem no mundo em que vivemos, que ninguém tem tempo para nada. A nossa sociedade nos trata feito lixo. E não gosto de ser lixo. Ser lixo também me incomoda.

Ao ver meu morador de rua predileto, sinto que é impossível ser feliz vendo o outro sofrer. Ele ensinou-me que pobre é aquele que trabalha para comer, e miserável, é aquele que passa fome. Ele me disse essas coisas enquanto lia  O Defunto— de Pedro Nava. E deixou-me sem palavras. Dentro de todas as minhas impossibilidades, e olha que tenho muitas, soma-se esta. Ando tentado a ajudá-lo de alguma forma. Em meio a minha simplicidade, tenho feito pouco. O máximo que fiz até hoje é doar-me para ele. É como se eu dissesse: “Olha, a sua causa é minha. Não sinta-se sozinho, porque estou contigo”. Mas sei que isso é muito pouco. Eu mesmo, tem horas que me pego sentindo-me o último dos homens. Sinto dor de estômago, frio, desejo de colo de mãe. Meus amigos cresceram, mudaram, casaram, e foram viver suas vidas longe de mim. Tem dias que acordo esquecido. Há semanas inteiras que o telefone não toca. No fundo somos homeless de nós mesmos. Em algum lugar em nós vive um sujeito abandonado. A gente finge que ele não existe, porque aprendeu desde cedo, que auto-piedade faz mal à saúde. Entretanto, vez por outra, sinto pena de mim. Pena da minha inércia. Pena da minha falta de expressão. Onde está toda aquela atitude, que me empurrava goela abaixo, o desejo de querer mudar o mundo? Onde foi parar o Super-Homem que existia em mim? Acho que levou tanta bordoada da vida, que acabou encolhido em um canto da casa, com medo de barata. Sei, não.

Tem um mendigo que gosta de mim. Ontem ele desejou que Papai do céu cuidasse de mim como cuida dele. Aí eu fiquei pensando: “Se ele, que é morador de rua, acredita em Deus, por quê eu, que tenho casa e comida, não acreditaria?”.

Sinto uma profunda admiração por aqueles que sofrem calados, porque sabem que deles é o Reino dos Céus.

Tem um mendigo que gosta de mim


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