MINHA CASA


Marulhar:

Sem que vivesse precisamente na solidão, era como cão sem dono. Tal qual árvore que vive sem raiz; como alegria infeliz; feito ar que se enjeita ao respirar. Era como bala perdida, espasmo de dor sentida, aceno de despedida, machucado; cicatriz. Era o sim e o não, o ‘quem sabe’ e o ‘talvez’, o ontem e o hoje, o amanhã e o depois: grão de arroz. Dizia que se apaixonar era pior que bulir em vespeiro de cobra. “Paixão é casa de maribondo. Paixão é enxame de abelhas. Paixão é terra que não se planta, pois deixa o coração baldio” – emitia. Para si, o único sentimento palatável era o amor. O resto eram sobras. E de sobras,  expunha,  não se vive: a menos que se queira morrer.  

Eu não sei quem foi, quem era, porque dizia essas coisas. Acredito até que de si, sabia bem menos do que eu sei de mim mesmo. Talvez tivesse vivido de graça. Quem sabe pode ter morrido e virado fumaça. Certamente nunca soube quem foi Ernest Hemingway, Charles Dickens, Gustave Flaubert, Vitor Hugo, Vladimir Nabokov ou Franz Kafka. Indubitavelmente, jamais leu “O Velho e o Mar”, “Por Quem os Sinos Dobram”, “Na Outra Margem, Entre as Árvores”; Oliver Twist”, “David Copperfield”, “A Christmas Carol”, “Hard Times”; “Madame Bovary”, “A Educação Sentimental”, Salammbô, “Memórias de um Louco”; “Os Miseráveis”, “Notre-Dame de Paris”, “O Homem que Ri”, “Les Travailleurs de La Mer”;  “Machenka”, “Lolita”, “Coisas Transparentes”, “O Original de Laura”; “Um Artista da Fome”, “A Metamorfose”, “A Muralha da China” ou “Cartas a Milena”.

Por isso, repito. Eu não sei quem foi. Só sei de ouvir falar. Escutei que era pessoa boa, contudo sofreu tanto, que desencaminhou. Passou a andar de encontro ao vento: meio catavento, meio moinho. Ontem fora girassol. Hoje é um cacto à sombra de si mesmo.  

Dizem que era tal a boca do mar. Formava ondas. Produzia marulhos. Tinha o paladar salgado e o palato doce. 


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Comentários

  1. Maria Fernanda Olivetto24 de janeiro de 2015 às 05:54

    Talento é coisa que não se julga. Talento é matéria que se respeita. Seus textos têm a simplicidade dos clássicos da literatura mundial. Extraordinário, Betto. Genial! Sorte, meu querido. Muito boa sorte! Você merece tudo de bom. Deus abençoe.

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