VIDA DOCE
Eu contratei uma emprega doméstica doutorada em Harvard. Ela é psicóloga por formação e faz tudo por opção. Lava, passa, cozinha, toca piano, escreve poesia e lê Michel Foucault. É uma verdadeira obra-prima. Superdotada desde menina, tem o QI comparado ao de Albert Einstein. Às vezes me ensina física quântica. Em outras me revela os segredos do universo. É tão boa no que faz, que enquanto bate um bolo, arruma a casa. Sem ela eu seria um cego à beira do abismo. Ela é tão indispensável na minha vida, que não sei como vivi sem ela até conhecê-la. Se preciso de conselho: ela dá. Se necessito de carinho: ela tira Clarice Lispector do bolso. Se estou com frio: traz-me um cobertor. Ela tem sido o alimento de minh’alma. Ela sacia minha fome de viver. Sabedora de minha sede do saber, sempre coloca sabedoria no copo d’água. Por isso não posso reclamar da vida. Muito pelo contrário: só posso agradecer.
Minha faxineira não fica atrás. Ontem mesmo, enquanto limpava a vidraça da sala, ensinou-me a gostar de matemática. Essa é outra que nasceu para ser gênio. Eu fico impressionado com o espírito da gente aqui de casa. Um gosta de filosofia. O outro não para de ler Max Weber. Meu motorista é pós-graduado em literatura francesa. Minha arrumadeira fala grego e alemão. Até meu cachorro (um Bull Terrier Inglês) é tão inteligente que só falta falar. Eu acho que tirei a sorte grande. Tenho tudo que o dinheiro não pode comprar. Por isso agradeço a Deus todos os dias por tudo que Ele me deu: emprestou-me a riqueza material para que eu pudesse viver bem, e proporcionou-me tantas alegrias, que se não sou o homem mais feliz do mundo, estou logo atrás dele. Meus agregados são o suprassumo da sabedoria. Acho que aqui em casa o menos inteligente sou eu.
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