ESSA PEQUENA




Ela trazia um livro de filosofia debaixo do braço e uma forte dor de cabeça a enrrugar-lhe a face. Sofria de enxaqueca. Por conta disso, parecia ter vivido mais de mil anos, tal fisionomia ao rés-do-chão. “Era mulher de um conto de réis” diziam. Valia mais do que o dinheiro possa custar. Muito mais do que o bagarote possa valer. Muito mais que dez mil escravos com seu capataz. Muito mais que “Postrait of Adele Bloch-Bauer”, de Gustav Klimt. Muito mais.

Ela era parteira. Dizia que toda mulher tem direito ao parto humanizado. E dizia mais: “Toda mulher deve escolher onde o rebento deva nascer”. Não gostava de médico. Dizia que médico estragava a gente. “A gente chega no doutor, e ele vai logo passando remédio, e nem olha para gente. Médico de gente trata a gente feito bicho. Médico, gosto não. Gosto de curandeiro, pajé, benzedeira, rezadeira”.

Dia desses minha esposa deu à luz em suas mãos. Fiquei a observar-lhe, torcendo farrapos de pano, tesoura em punho, água quente e ervas das mais variadas. Ela é de uma capacidade fenomenal. Faz alguém vir ao mundo no tempo de uma reza. Mal a parturiente entra em trabalho de parto, ela reza um Pai Nosso, e tem menino novo no mundo. Impressionante o jeito que ela trabalha. A mim não deixou muito tempo no quarto. Disse que saísse, ajoelhasse e rezasse. “Menino vem rapidinho, mas com pai por perto, sei não...”. Assim, desse jeito simples, bateu palma três vezes, chamou a criança pelo nome, dizendo: “Anda Alberto! Está todo mundo aqui fora te esperando. Vem ver a cara da tua mãe, menino! Teu pai está aflito na sala. Vamos, moleque, sai agora!”. E a criança nasceu.

Meu filho nem ia se chamar Alberto. Mas se ela falou, está falado. Alberto será o seu nome. Alberto do Espírito Santo Sant’Ana de Carnaúba. Ela será madrinha de Alberto. Como todos em nossa aldeia, Alberto beijará suas mãos. Depois que crescer, Alberto se casará, e verá sair dos braços de dona Leontina, mais um rebento d’aldeia.

A nossa vida é simples. Não temos vida de branco. O homem branco complica as coisas. A gente, não. Se temos lenha: acendemos uma fogueira. Se temos Sol: ficamos de papo para o ar. Se temos saúde: vivemos. Homem branco não sabe o que é isso. Homem branco quer sombra e água fresca, mas esquece de viver com o coração tranquilo. Passa a vida juntando dinheiro, e quando pensa em gastar, a morte o leva embora. “E agora?”  pergunta homem branco. “E agora?”  respondo eu. Agora Inês é morta e nem por um decreto vai levantar”.

Dona Leontina é que tem razão. “Homem branco é bicho esquisito. Homem branco não é mole, não”.             


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