BLOCO DA SOLIDÃO




Eu tenho o meu cantinho de criação. O meu cantinho de criação tem a mim também. Quando sento-me para escrever, o que era um espaço vazio e sem vida, se enche de luz. Passamos a fazer parte do mesmo quadro: eu e meu quadrado. O espaço é pequeno. Só cabe uma mesa. Em cima de mesa um computador, livros diversos, papel, caneta, e um vaso com uma rosa dentro. Todo mundo sabe que gosto de rosa. Então, sabendo disso, alguém passa e me presenteia com uma ou outra, duas vezes por semana. Não sei ao certo quem as coloca. Muito menos quem as troca. Deve ser alguém que gosta de mim. Afinal vive em casa, dorme e acorda comigo, vê o quanto estou envelhendo, perdoa as minhas faltas gravíssimas; que só quem vive com a gente sabe que elas existem, — depois me atura noite e dia — até que a morte nos separe.

Escrever é uma entrega diária. Às vezes a gente senta para escrever, olha para o computador, e nada. Nada aliás é sempre um ótimo tema. Acho que se escrevesse sobre o nada já tinha emplacado um best-seller na praça. Mas escrever sobre o nada é difícil. Falar sobre o nada me torna hermético e a mídia quer que eu seja, popular. Mas o que é ser popular? Que necessidade é essa de dar autógrafos que as pessoas querem que eu tenha? Não, por favor. Sem autógrafos. Minha letra é horrível, minha visão é ruim, nunca me lembro dos nomes: não, por favor. Tem gente demais querendo que eu seja popular. Mas popular para quê? Quem paga minhas contas não sou eu? E precisa ser popular para pagar contas? Tudo bem que eu ando precisando de dinheiro. Mas quem não precisa? Tem aquela viagem à Paris que quero fazer, e outra, e outra, e outra. Se fosse rico viveria viajando... Se eu pudesse, quebrava o meu porquinho de moedas e transformava-o em um avião. Hidroavião na verdade... Seria mais romântico que dar a volta ao mundo em um balão.

Mas voltemos ao meu cantinho de criação... Quando sento para escrever, primeiro ligo o computador, deixo-o inteirar-se de si mesmo por alguns minutos, enquanto espero-o acordar, leio alguma resenha, corro os olhos em um livro, folheio uma revista das mais ordinárias... Quando entendo que já deu tempo suficiente para o Apple dar-se conta de si mesmo, confiro os meus e-mails, respondo-os, e só então estou pronto para; digamos, começar a compor a história da vez. Dá uma trabalheira danada, pois escrevo com a alma, e às vezes a alma não está disposta a me contar nada. Minh’alma anda meio preguiçosa desde que se deu conta que o mundo anda mal das pernas. É o que andam dizendo por aí… e eu concordo. Mas tranquilizei-a, dizendo que se o mundo não tiver concerto (ortopédico), trago para ela todos os dias um pirulito e alguma poesia, — para  que sinta-se amada, — mesmo depois do fim do mundo. Aí ela se acalma, com dificuldade me abre um sorriso, e quando não está de bom-humor, o que é raro, abre-se para mim, conta-me a sua história, e choramos juntos.

Hoje estou tranquilo… as contas estão pagas e posso respirar até a nova safra chegar. As contas chegam-me como enxurradas. Enfim, tem também meu cachorro. Ah, não falei dele? Como assim? Ele é a peça mais importante do meu quebra-cabeça! Como, não? Ele é a peça unidimensional do meu gamão. Meu cachorro é um pândego. Tirei essa expressão da minha infância. Minha avó, que era uma pândega de grife, ensinou-me essa expressão... Meu cachorro quando percebe que vou sentar-me para escrever, corre e deita debaixo da mesa. Que mesa? Aquela que fica no meu cantinho de criação. Ele deita-se, apoia a cabeça em uma das quatro cadeiras que compõem a mesa, e fica lá inspirando-me. Ele é uma espécie de guru em minha vida. Se eu fosse supersticioso, diria até que me traz sorte. Quando olho-o nos olhos, largado à mesa feito um paxá, as ideias brotam que é uma beleza... Creio que a companhia dele me inspira. Com ele ali, que nada fala; mas tudo diz, é como se a vida que brota de nós dois, e do vaso de flor com a rosa dentro, levasse todos nós para aquele lugar no céu; que todo mundo, bom ou ruim, sonho morar. É para lá que meu cachorro me leva toda vez que vejo-o largado aos meus pés.

Não tem solidão aqui em casa, não. Não tem solidão mesmo. Com rosa e cachorro eu me sinto bem. E pensar que no meio disso tudo: livro, cachorro, revista, resenha, — ainda tem alguém que de vez em quando passa em casa, — e me deixa uma rosa. 

Ao longo da vida, não sei se a gente percebe o quanto a vida é bela. A minha é linda. É uma rosa amarela. 






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