NELLA FANTASIA



Era só uma leitura. Uma leitura de Shakespeare. A peça era “Bem está o que bem termina”. Ela lia um tanto desinteressada. Era matéria de prova. E mesmo William sendo o Mestre do Teatro, ela detestava fazer qualquer coisa obrigada. Mas era prova. Tinha que estudar. Então, pegou o texto do original em inglês, e começou a ler:

Helena era uma mulher apaixonada. Ainda uma adolescente, mas como as mulheres naquele tempo ficavam moças rápido, seu sonho era casar-se o quanto antes com o amor de sua vida. Quando o pai morreu, Helena foi morar no palácio da Condessa de Roussillon. Senhora bondosa que abrira as portas de sua casa para abrigar esta doce menina. O pai de Helena, o médico Gerard de Narbone, havia falecido a pouco. Para a Condessa, Gerard deixara seu maior tesouro imaterial: a filha Helena. Para a filha, ele deixara seu maior tesouro material: um caderno de receitas médicas, onde tinha fórmulas secretas de cura, poções milagrosas, anotações importantes, e todo o material que lhe custara uma vida. Ali a menina encontraria a cura para todos os males do corpo, com exceção daqueles provenientes da alma humana. Esses ela teria que curar sozinha. Afinal de contas, o mal do espírito é curado apenas, e tão somente, pelo espírito. Assim, Helena ficou sob os cuidados da Condessa de Roussillon, servindo-lhe como dama de companhia.

A Condessa de Roussillon tinha um único filho: o Conde Beltrão de Roussillon. A condessa havia ficado viúva na mesma época em que Gerard de Narbone morreu. Aquele castelo vivia dias delicados, onde todos tentavam se refazer da dor da partida. Não digo ‘da dor da perda’, porque de fato ninguém perde ninguém. No momento que a vida do corpo termina, o espírito parte para outras paragens para encontra-se com Deus. E a isto não se daria o nome de ‘perda’, porque como bem disse o químico francês, Antoine Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

Rousillon é uma província francesa. Lugar lindo, conhecido pela tonalidade ocre de suas terras. A família Roussillon é considerada a família mais antiga da França. Ou seja, aquele castelo já vira muitas mudanças, já sentira muita alegria e muita dor. Enfim, todos ali se recuperariam da separação temporária de seus entes queridos, com a certeza de que um dia reencontrar-se-iam com seus mortos.

Com a morte do Conde de Roussillon, pai de Beltrão, o filho passa a ter direito ao seu título e Estado. Com isso, o Rei de França, que era amigo pessoal do falecido conde, manda um comunicado oficial ao castelo de Roussillon, exigindo a presença de Beltrão em seu palácio em Paris. O rei queria oferecer-lhe proteção e presentear-lhe com alguns mimos: coisas que os monarcas fazem quando estão diante de seus súditos amados. E Beltrão como era filho daquele que o rei tinha como melhor amigo, era digno de toda a sua atenção. Assim, o mensageiro do rei vai ao castelo em nome de Vossa Majestade. O mensageiro era Lafeu: um senhor da Corte francesa. Ao inteirar-se da urgência da mensagem, Beltrão arruma as malas e parte com Lafeu para Paris. Com a partida, deixa as duas mulheres que mais o amavam para trás: a condessa, sua mãe; e Helena, a quem embora lhe pertencesse toda a fidelidade, ele não sabia. Helena amava-o em segredo. Tinha um desejo quase infantil de casar-se com ele: algo como um príncipe vindo buscá-la montado num cavalo branco. Mas temia por sua nula condição social neste mundo. Beltrão era um conde, enquanto ela não passava de uma agregada da condessa. “Esse amor não iria dar certo”  pensava.

Antes de partir, Lafeu confidencia à condessa que o Rei de França está muito doente. Os médicos diziam que era doença incurável. Naquele instante a condessa lembrou-se do caderno de Gerard, aquele que o médico deixara para a filha com as receitas milagrosas. Contudo pela gravidade do comunicado real, achou melhor que o filho partisse o quanto antes, para não sofrer a ira do rei, que detestava esperar.

Dias após a partida de Beltrão, a condessa soube por intermédio de seu mordomo, que Helena era apaixonada por seu filho, e que a moça iria até Paris encontrar-se com ele. Beltrão não sabia que Helena o amava. Nunca passou pela cabeça do conde envolver-se com uma criada. Via-a apenas como a serviçal de sua mãe. Para um nobre casar-se com uma plebeia era algo inaceitável naqueles tempos. Mas Helena estava decidida a ficar perto de seu amado. Sabedora do plano de fuga de Helena, a condessa chama-a para uma conversa. Depois de negar que gostava do conde, com medo de alguma represália por parte de sua senhora, Helena acaba confessando que sente por ele o maior amor deste mundo. Ao contrário do que Helena imaginava, a condessa ficou muito feliz. Amava-a como uma filha. Não iria se opor aos desejos do coração. E assim, num clima bastante amigável, Helena diz a condessa que pode curar o rei do tal mal incurável. Deste modo, com total apoio da condessa, Helena parte para Paris, levando na bagagem o seu livro de receitas médicas, e no peito, o maior amor deste mundo.

Para encurtar a história, chegando em Paris, Helena consegue curar o rei, que promete que se ficasse livre da doença em dois dias, daria a moça o que ela quisesse. Helena diz querer um marido. Então, o rei já curado, manda chamar todos os moços da Corte; exceto seus filhos, porque os príncipes já tinham as suas pretendidas, e diz a Helena que ela poderá casar-se com quem desejasse. Entre os nobres está Beltrão; seu amado. Helena então escolhe Beltrão para marido. Beltrão que jamais pensara desposar moça sem títulos de nobreza, revolta-se com a ideia de casar-se com a aia de sua mãe. Mas como o rei é quem manda, e por mais nobre que fosse, Beltrão era vassalo do rei, teve que casar-se. Na noite de núpcias Beltrão foge do palácio, deixa uma carta para Helena dizendo que só seria marido dela no dia em que seu anel de conde saísse de seu dedo: Ou seja, nunca. Na carta pedia que deixasse Paris e voltasse para o castelo de Roussillon, e lá ficasse sob os cuidados de sua mãe. Após conseguir a permissão do Rei de França para ausentar-se da Corte, Beltrão parte para Florença, onde alista-se no exército do Duque de Florença. Helena parte para Roussillon e volta a morar com a Condessa; sua sogra.

Após alguns dias no castelo, Helena sentindo-se responsável por manter o conde; seu marido, longe de casa, de sua terra e de seus bens, além da dor que via nos olhos da condessa pela separação repentina do filho, a moça resolve que o melhor seria partir. Assim o conde voltaria para casa, retomaria suas terras e viveria em paz com sua mãe: livre para casar-se novamente. Com uma lista interminável de motivos, Helena parte em peregrinação ao santuário de Saint-Jacques-le-Grand, nos arredores de Florença.

Passando por Florença a caminho do santuário, Helena hospeda-se na residência de uma senhora da Corte, descendente dos nobres Capuletos. Em casa desta senhora, Helena fica sabendo que seu amado Beltrão vive em Florença. A  nobre conta a Helena que Beltrão está enamorado de sua filha, Diana, e que noite após noite tem feito serenatas debaixo de sua janela. Como a moça sabe que Beltrão é casado, que preferira tornar-se oficial do Duque de Florença à viver com a esposa, Diana jamais atreveu-se a dar-lhe qualquer esperança. Quando soube que naquela noite Beltrão iria fazer a corte a Diana, presenteando-lhe novamente com uma serenata, Helena pensa num plano para unir-se ao marido.

Naquela noite Helena se passaria por Diana, convenceria Beltrão a pedir-lhe em casamento e exigiria o anel (aquele que Beltrão disse na carta que jamais tiraria do dedo) como prova de amor. Com a ajuda da nobre senhora, e de Diana, o plano deu certo: Beltrão entrega-lhe o anel como prova de fidelidade eterna, e Helena (disfarçada de Diana), entrega-lhe também outro anel. Anel este que Helena recebera do Rei de França. No dia seguinte Beltrão parte para mais uma campanha do Duque de Florença, e promete que assim que voltasse da batalha, casar-se-ia com Diana. Helena faz chegar as mãos de Beltrão uma carta que diz que ele ficara viúvo. Ou seja, agora que a esposa estava “morta”, Beltrão poderia casar-se com sua amada. Mal sabia ele que ficara noivo da própria esposa; disfarçada de Diana. Enfim, o plano de Helena tinha tudo para dar certo.

Meses depois em visita ao castelo de Roussillon, o Rei de França agradece a condessa por ter permitido que Helena fosse curá-lo. A condessa fica muito feliz com a visita real. Todos sabiam da suposta morte de Helena. E aquele passara a ser um momento de muita dor. Enquanto o rei e a condessa conversavam, Beltrão chega ao castelo de surpresa. Viera visitar a mãe.

O rei em nome da grande amizade que sentia pelo pai de Beltrão, perdoa-lhe todas as faltas. Embora achasse absurdo o conde abandonar a esposa, deixar a Corte e ir viver como oficial do exército do Duque de Florença, o rei não se opõe. Mas ao ver no dedo de Beltrão o anel que dera a Helena, Vossa Majestade acaba concluindo que a morte da moça tinha sido por assassinato. E que Beltrão era o culpado. Foi uma confusão danada. O rei manda prendê-lo e condena-o a morte. Nesse ínterim, Diana e a mãe seguindo o plano de Helena, chegam ao castelo e solicitam ao rei que realize o casamento dos dois. O rei revolta-se com o pedido. Helena acabara de morrer e Beltrão casar-se-ia com  outra. Vossa Majestade pergunta a Diana se ela conhece aquele anel. Diana diz que foi ela que o dera a Beltrão. O rei conclui então que foram os dois que mataram Helena e manda prender Diana. Dias depois Helena aparece e conta ao rei toda a verdade: que aquele era um plano seu para conquistar o coração de Beltrão. O conde e Helena fazem as pazes. O rei perdoa as faltas de Beltrão. Todos ficam felizes em saber que Helena está viva.

Beltrão, agora enamorado de sua esposa, transforma-se num excelente marido. E como “Bem Está o que Bem Termina”, vivem felizes para sempre.

Assim chega ao fim mais uma peça de William Shakespeare. E como já dissemos, era véspera de prova, e ela precisava estudar.



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