BABY MACBETH




Estávamos em Puerto Madero. O antigo bairro de Buenos Aires, agora revitalizado, era o cenário perfeito para o nosso intento. Montamos uma exposição de fotos inspirada em “Macbeth”. Chovia copiosamente naquela noite. Mesmo assim, decidimos não adiar a festa. A imprensa do mundo todo veio cobrir o evento. As fotografias contavam de forma cronológica, a história idealizada por William Shakespeare na Idade Média. E como toda vez que se monta “Macbeth” gera-se suspense e magia, estavam todos ansiosos para realizar aquele sonho. O clima sombrio da tragédia serviu de inspiração para os fotógrafos. Tudo certo, casa arrumada, lá fomos nós para a porta do centro cultural Faena Arts Center receber os convidados.


A primeira foto representa a primeira cena de “The Scottish play”. Assim passamos para a segunda, para a terceira, e daí subsequentemente, até chegarmos ao final do espetáculo. Embora “Macbeth” se passe na Escócia, a Argentina tem ares tão europeus, que caiu como uma luva em nosso projeto. Demos à exposição o nome de “Baby Macbeth”. Como éramos fotógrafos iniciantes, embora em nossas carreiras particulares já tivéssemos conquistado o nosso galardão, no terreno das Artes Plásticas sentíamo-nos como bebês: daí o título da exposição. Montamos também uma vídeoinstalação chamada “Hemácias”, onde filmamos as diversas montagens de “Macbeth” pelo mundo, além de apresentarmos cenas dos filmes de Richard Oswald, Akira Kurosawa, de Roman Polanski, Mario Caserini e Orson Welles, sobre o mesmo tema. O nosso trabalho como fotógrafos estava nascendo. E nós também. “Baby Macbeth”, conjuminada à poética contemporânea, passou a ser a menina dos nossos olhos. Ali,  sociólogos, médicos, economistas, filósofos, matemáticos, advogados, cientistas da computação, biólogos, empresários, juízes e psicólogos; desnudavam-se do peso de suas funções burocráticas e entregavam-se à Arte.   


Construído às margens do Río da Prata, Puerto Madero tornou-se a nossa casa sobre o mar. A bordo de um cassino flutuante, saudamos o nosso público e depois de um breve discurso, o evento começou. O local onde é ambientada a exposição é um antigo moinho que foi transformado em centro cultural. À propósito, a tragédia shakespeariana que tem fama de ser amaldiçoada, tinha trazido-nos tão boa sorte, que antes mesmo de iniciarmos o coquetel, chegaram convites do MoMA, do Guggenheim de NY e de Bilbao, do Museu do Prado, do Museu Nacional Romano, do Museu Pergamon, do Tate Modern de Londres, do (MACBA) Museu d’Art Contemporani de Barcelona, do Musée d’Arte Moderne, do Sintra Museu de Arte Moderna, do Museu Casa de Rembrandt, do MASP, e do MAM do Rio de Janeiro e de São Paulo. Bendito seja Baby Macbeth!


O barão Macbeth, do reino da Escócia, era general de Duncan, o Bom. O reinado de Duncan era o exemplo da misericórdia, da concórdia, do respeito e da felicidade. Todos ali viviam muito bem. Não era à toa que Vossa Majestade era chamado de ‘o Bom’. Duncan era a personificação da humildade. Tratava a todos como irmãos. Dizia que o fato de ser rei não lhe dava o direito de tratar a ninguém com menosprezo. Embora fosse um soberano, seu comportamento era idêntico ao de um serviçal. Vivia pelo povo. Desde o mais modesto de seus súditos à Corte, todos o amavam. Todos, menos Lady Macbeth.


A baronesa carregava na alma o desejo de tornar-se rainha. Pela proximidade do trono, ressentia-se de não ser ela mesma a sentar-se ali. Pensava que essa possibilidade viria através do marido. Se Macbeth se tornasse rei, consequentemente ela se tornaria rainha. Assim, guiada pela pior parte do espírito humano, aguardava a oportunidade de naquele trono sentar-se.


Macbeth, homem de confiança de Duncan, era muitíssimo estimado pelo rei. Ao lado deste, o general Banquo também era muito admirado na Corte. Ao voltarem de uma batalha na Noruega, trouxeram a honra e a glória à Casa Real. Ao vencerem mais uma guerra contra um exército rebelde, foram recebidos no palácio de Duncan, com toda pompa e circunstância que o feito merecia.


Acontece que quando retornavam à Corte, Macbeth e Banquo ao passarem por uma charneca de aspecto assustador, tiveram a visão de três entidades que assemelhavam-se à bruxas, usando uma barba que lhes cobria o rosto. Aquelas figuras pareciam mortos-vivos: pele ressequida, olhar fugidio, um aspécto mal-assombrado; trajavam uma estranha vestimenta totalmente díspare da usada à época dos acontecimentos aqui narrados. Quando Macbeth tentou aproximar-se delas, falando alguma coisa, elas pediram silêncio. A primeira bruxa saudou Macbeth chamando-o pelo título de Barão de Glamis. A segunda saudou-o com o  título de Barão de Cawdor. E a terceira chamou-o de Rei. Espantado, e ao mesmo tempo envaidecido, Macbeth adorou a profecia. Embora soubesse que não tinha a menor chance de ocupar o trono da Escócia, já que Duncan tinha filhos, a ideia de ser rei era-lhe reconfortante. E para encerrar o enigmático encontro, as bruxas viraram-se para Banquo, e disseram que este seria “menos que Macbeth e mais que ele; não tão feliz, mas muito mais feliz”. As bruxas profetizaram que os filhos de Banquo seriam os futuros reis da Escócia. Algo difícil de acontecer, já que como dissemos, Duncan tinha seus próprios herdeiros. Enfim, a profecia parecia ser o engodo de três entidades enlouquecidas. Contudo não houve tempo para Macbeth e Banquo conversarem sobre o acontecido, porque assim que as bruxas desapareceram no ar, chegaram os mensageiros do rei, trazendo a notícia de que Macbeth seria condecorado com o título de Barão de Cawdor. Era a primeira profecia se concretizando.


 Macbeth chegou em casa com o coração cheio de esperança. Se agora, além de Barão de Glamis também era Barão de Cawdor, por que não poderia ser rei um dia? Naquele instante a cobiça e a inveja caíam-lhe tão bem quanto a coroa que ele tanto desejava. “Macbeth: rei!” – pensou. “Ainda hei de ser o Soberano da Escócia!”. Ao contar à Lady Macbeth o que lhe acontecera, esta que era a crueldade em pessoa, que achava que os fins sempre justificam os meios, que tinha a alma envenenada pela emulação, – comemorou. Naquele momento ambos tinham o mesmo pensamento: “Duncan deve morrer”. E nem precisavam de telepatia. Cada um sabia o que ambos estavam pensando.


Dias depois chegou a oportunidade que tanto desejavam. O rei teve a infeliz ideia de hospedar-se no castelo da família Macbeth com  seus filhos, os príncipes Malcolm e Donalbain, e com seu séquito de barões e cortesãos. Foi a forma que Duncan encontrou de agradecer a fidelidade do vassalo para com a Corte: Macbeth que pela magnânima bondade do rei, agora era Barão de Cawdor. Aquela visita era a chance de Lady Macbeth acabar de uma vez por todas com o rei e seus herdeiros. Duncan adorava Lady Macbeth. Achava-a educada, inteligente, delicada, encantadora. Mal sabia ele que estava alimentando uma cobra. Lady Macbeth era tão falsa que levava uma pedra no lugar do coração. Não amava ninguém. Nem o rei, nem Macbeth, nem a si mesma. O que queria era o poder. Estar acima de todos do reino, ser a soberana da Corte; isso sim ela amava. Portanto, resolveu colocar em prática o seu plano, dando cabo à vida do rei. Como sabia que Macbeth era antes de tudo um Bobo da Corte em suas mãos, decidiu ela mesma executar o planejada. Enbriagou os guardas reais, para que assim pudesse adentrar nos aposentos do rei, e matá-lo. Munida de um punhal invadiu o quarto, mas desistiu. O rei dormindo parecia-se muito com seu pai. E como Lady Macbeth não mataria o próprio pai, apavorada com a ideia, deixou os aposentos reais. Enfim, após persuadir o marido, dizendo que ele mesmo deveria matar Duncan, ela conseguiu o que tanto queria. Macbeth arranca-lhe o punhal das mãos e ele mesmo acaba com a vida do rei. Após matar o Soberano, Macbeth com as mãos sujas de sangue, entraga o punhal à esposa, que aproveita que os guardas estavam anestesiados pela bebida, e mancha seus rostos com o sangue que ficara na arma branca, incriminando-os.  


Na manhã seguinte, todos ficaram sabendo da morte de Duncan. E embora as evidências indicassem que os guardas haviam cometido o crime, ninguém duvidava que aquilo era obra de Macbeth. Quem mais era o parente próximo do rei, além de Malcolm e Donalbain? Quem mais herdaria o trono se estes faltassem? Era uníssono: Macbeth! Para proteger os filhos de Duncan, os conselheiros reais acharam por bem que Malcolm fosse enviado à Corte inglesa e Donalbain, o caçula, para a Irlanda, e que na segurança no exílio, pudessem decidir o futuro da Escócia. Como os príncipes deixaram a Escócia, Macbeth foi coroado rei. A segunda profecia havia se cumprido.  


Chegando ao trono, faltava cumprir-se a profecia da terceira bruxa. Só que esta predição não era nada favorável aos Macbeth. Se havia alguma chance do filho de Banquo chegar a ser rei, por menor que fosse esta possiblidade, ele tinha que ser exterminado. Organizando um suntuoso banquete, Lady Macbeth prepara também uma emboscada para Banquo e seu filho; Fleance. Para tal, convida toda a Corte para um jantar no palácio. A ideia era matar Banquo e Fleance a caminho da festa. Na emboscada Banquo acaba morrendo, mas Fleance consegue fugir.


A festa foi fabulosa. Todos os vassalos do novo rei, barões e fidalgos, estavam presentes. Macbeth discursou para o seu séquito, agradecendo a visita de todos ao castelo. Lady Macbeth, comportando-se como de costume, era adorada por todos. A duquesa, agora rainha da Escócia, recebeu a todos elegantemente. Era aparentemente doce, sofisticada, um tanto tímida e reservada, embora extremamente simpática. Melhor rei e rainha não podia existir.


Mas como as aparências enganam, estas duas raposas felpudas, eram lobo em pele de cordeiro. Macbeth era tão abominavelmente sórdido, que mesmo sabendo que Banquo estava morto, disse aos presentes que lamentava não ter ali a companhia de seu estimado amigo. Todavia como toda maldade tem seu preço, eis que o espírito de Banquo que deixara recentemente o corpo, aparece no palácio e senta-se no trono. Era a confirmação de que de um jeito ou de outro, os planos dos Macbeth seriam frustrados. De alguma forma, os filhos de Macbeth não seriam reis. Ou se fossem, perderiam o trono para a Casa dos Banquo. Como só Macbeth via o fantasma de Banquo, todos acharam que ele estava tomado por insanidade mental. “O rei louco seria um desastre” – pensou Lady Macbeth. Previdente, resolveu encerrar os festejos, insistindo que queria ficar a sós com o marido. Todos deixaram o palácio, e o rei e a rainha, passaram a viver o seu inferno particular. Daquele dia em diante não mais conseguiram dormir. Macbeth tinha pesadelos diários com Duncan e Banquo. Era como se o sangue dos dois tivesse impregnado-se em seu espírito. Lady Macbeth também sofria a consequência de seus atos. Temia que Florence voltasse do exílio, e movido por algum estratagema, tomasse o poder. E como quem faz o mal imagina que todos também o façam, o casal real entrara em pânico.


Para desanuviar o pensamento, Macbeth retorna à caverna onde encontrara as tais bruxas cozinhando num caldeirão. Ao chegar, encontra-as fazendo seus feitiços. Aquilo era horrendo. Usavam pedaços de animais e toda sorte de materiais em suas bruxarias. O objetivo daquelas criaturas insanas era conseguir dos maus espíritos todo tipo de ajuda. Era nestas mulheres que Macbeth apoiava as suas esperanças, de comandar eternamente a Corte da Escócia.


Ao perceberem que Macbeth estava ansioso por notícias do além  sobre o futuro do seu reinado, as bruxas invocaram seus comparsas espirituais, a quem prontamente atenderam. O primeiro espírito, sob a forma de uma cabeça usando um capacete, aproximou-se de Macbeth e disse: “Cuidado com o barão de Fife. Macduff é mau”.

Macbeth decide que assim que voltasse ao palácio, mandaria matar Macduff. O segundo espírito, sob a forma de uma criança ensanguentada, aproximou-se e falou: “Não tenha medo de nada. Nenhum homem nascido de mulher será capaz de deter-te. Mate a todos que cruzarem o teu caminho. Assim serás eternamente o Rei da Escócia”.

O terceiro espírito, sob a forma de uma criança coroada, aproximou-se e declarou: “Jamais serás vencido. Aliás, a única possibilidade de teu trono ruir, será se a floresta de Birnam caminhar até a ti, na montanha de Dunsinane”. Como sabia que florestas não andam, Macbeth acalmou-se. “Nada nem ninguém poderá me deter” – pensou. Antes de sumirem no tempo, os maus espíritos amigos das bruxas, trouxeram a Macbeth uma visão onde identificava-se oito sombras reais passando à sua frente, sendo que Banquo era o último delas. Na visão, o espírito de Banquo trazia nas mãos um espelho, onde Macbeth pôde perceber a imagem daqueles que seriam os futuros herdeiros do reino escocês: todos descendentes de Fleance: filho único de Banquo. Ou seja, nem tudo era perfeito.


Mesmo assim, feliz da vida, Macbeth volta para casa, sabedor de que melhores presságios não podia ter ouvido naquela charneca. O seu reinado estava seguro. Caso Fleance aparecesse, seria morto. Então nada estava perdido. Seus planos começaram a frustrá-lo, quando ao sair da caverna das bruxas, Macbeth é informado pelos guardas reais de que Macduff fugira para a Inglaterra, com o objetivo de lá encontrar-se com o filho mais velho do finado Duncan, o príncipe Malcolm, para juntos recuperarem a coroa da Escócia. Irado, Macbeth invade o castelo de  Macduff, matando-lhe a esposa e os filhos. E para que não ficasse a menor dúvida de que ele era o todo poderoso, Macbeth resolve matar todos que viviam no castelo.   


Os súditos horrorizados com tamanha carnificina, abandonam à Corte, partindo para o exílio na Inglaterra. Toda a nobreza reprova a tirania de Macbeth, afastando-se dele. Aqueles que ficaram, porque não conseguiram fugir, foram obrigados a conviver com a insanidade do rei. Em meio a tamanha confusão, Lady Macbeth morre de causas naturais. Sem a esposa para lhe dar ânimo, Macbeth começa a cair. Mergulhado em depressão profunda, sentindo na própria pele o que é perder alguém que se ama, o rei faz planos de dar fim à própria vida. Contudo, ao saber que Malcolm voltara da Inglaterra, acompanhado de seu exército, Macbeth decide viver. Não morreria agora que tinha a possibilidade de aniquilar o primogênito de Duncan. E já que como disseram os maus espíritos por intermédio das bruxas, que “nenhum homem nascido de mulher seria capaz de derrotá-lo, e sabedor de que a floresta de Birnam jamais viria caminhando até seu palácio, na montanha de Dunsinane, então Macbeth não tinha nada a temer. Malcolm morreria, a profecia das bruxas se concretizaria, e Mcbeth seria rei para sempre.           


O que Macbeth não entendeu é que toda profecia precisa ser decifrada. Profecia é uma previsão. Isso não quer dizer que todo augúrio venha a acontecer. Horoscópio, prenúncio, previsão, prognóstico, vaticínio; são possibilidades. Não encerram-se em si mesmos, porque o futuro não está escrito. O dia a dia é que irá possibilitar os acontecimentos. E como bem sabemos, até o último segundo de vida do homem, tudo pode mudar. Sendo assim, Macbeth que não soube decifrar o vaticínio, entendeu ao seu bel prazer, aquilo que melhor lhe convinha. Se soubesse decifrar o presságio daquelas bruxas mentirosas, como excelente general que era, teria imaginado que os soldados de Malcolm vindo da Inglaterra, podiam muito bem ocultarem-se no meio das árvores, utilizando-se de ramos. Desta forma, embora a floresta de Birnam não saísse do lugar, a impressão de quem visse de longe, mediante o agito dos ramos na cabeça dos soldados, é que de fato a floresta se movia. Mentirosas ou não, as bruxas estavam certas: Birnam caminhava até Dunsinane.           


Após uma batalha sangrenta, os aliados de Malcolm e Macduff saem vitoriosos. Ao tentar fugir, Macbeth é impedido por Macduff, que incita-o ao duelo, dizendo que sabe que foi ele que matou sua mulher e filhos, assim como todos os seus criados. O rei envergonhado, recusa-se a duelar com Macduff, mas este insiste que irá lavar a honra de seus mortos com o sangue de Macbeth. Mas como “nenhum homem nascido de mulher poderá matá-lo”, o rei acalma-se. O que Macbeth não sabia era que nascido de forma prematura, Macduff viera ao mundo por intermédio do que hoje chamamos de operação cesariana. Não tendo nascido de parto normal, encaixava-se perfeitamente na profecia das bruxas. Com a revelação de Macduff, ficou claro para Macbeth que as previsões tinham um duplo sentido; frustando de vez as suas expectativas.


Macduff mata Macbeth, arrancando-lhe a cabeça, e dando-a de presente ao príncipe Malcolm. Agora o reinado de Duncan seria restabelecido, já que o seu herdeiro subiria ao trono.


Inspirado pela bondade do pai, Malcolm foi o melhor rei que a Escócia já teve.   


Este foi o enredo da nossa exposição fotográfica. “Baby Macbeth” foi um sucesso. Tanto que passamos a viver das Artes Visuais. Por isso que de Macbeth e de Buenos Aires, não nos esqueceremos jamais.




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