WHEN YOU KNOW
Ela educara os filhos para serem caridosos. Dizia que se as crianças são o futuro da humanidade, deviam aprender desde cedo a cuidar do planeta Terra. Educar para ela era direcionar alguém ao caminho do bem. Não importava se era seu filho, o filho da empregada, o sobrinho, o afilhado, o filho da amiga ou da vizinha. Se estava debaixo do seu teto, ou à alcance dos seus olhos, tinha que seguir algumas regras morais. Não admitia desrespeito, grito, bagunça, palavrão, corpo mole. Quem passava por ela, saía dali uma pessoa melhor.
Às vezes era dura com os filhos: usando um método quase militar. Mas aquela casa não era um quartel, nem aquela mulher era uma ditadora. Era uma educadora. Uma disciplinadora de almas. Digo isso, porque na maioria das vezes era tão doce e compreensiva, que ficar perto dela era o mesmo que morar num cantinho do céu. A pior coisa é viver com uma pessoa sem alma. Sabe aquele tipo de gente que diz que é o que não é, que magoa, que mente, que fere? Pois bem: ela não era nada disso. Aliás: era o oposto. Quando estávamos com ela, sabíamos que estávamos no nosso porto seguro. Ela tinha alma para dar e vender. Era uma mulher e um espírito tão grande, que ultrapassava o infinito do céu. “É bom conhecer gente com a alma na palma da mão” – pensei. É muito bom conhecer gente de verdade.
No trato com os filhos, ela tinha um método de convivência, que ensinava-os a viver com solidariedade. Quando o menino, pedia uma bola, ela dizia:
– Se quer a bola, vai ter que doar o carrinho.
Quando a filha pedia uma bicicleta, ela dizia:
– Se quer a bicicleta, vai ter que se desfazer da boneca.
Assim, fazendo quase um escambo diário, ela obrigava-os a viver trocando o bem com o bem. Só ganhavam um presente, se presenteassem alguém. Dessa forma, não se prendiam à matéria. E dela não guardavam sequer o cheiro. Ela ensinou-os que se somos todos mortais, não tem lógica nos acorrentarmos ao que vamos perder, hoje ou amanhã, em decorrência da morte. Sabia que era necessário ter dinheiro para pagar as contas, para viver com conforto, para se prsentear como o fruto do nosso suor, que trabalhar é um ofício divino, que juntar alguns bens é uma benção de Deus. Agora, ficar escravo do dinheiro, fazer dele um deus, ficar pensando em receber herança, e de certa forma desejar o que é do outro, é um indício de baixíssimo crescimento moral. Ninguém precisa viver na miséria para ser caridoso. Contudo, ninguém precisa ser dono de um castelo para ser feliz. O ser humano vive muito bem sem o supérfluo. Porque quando se acostuma a roubar, a mentir, a usar os sentimentos do outro, o sujeito passa a ser desleal consigo mesmo. Coloca uma tabuleta no pescoço e escreve: vende-se. Quem se vende por milhões, um dia acaba se vendendo por qualquer trocado. Ela falava coisas assim. Aliás, só as mulheres que possuem uma sabedoria milenar, são capazes de enxergar o óbvio no óbvio. Só as mulheres são santas, porque os homens sempre deixam a desejar.
O luxo naquela casa era paz de espírito. Isso sim, tinham para dar e vender. Solidariedade ali era o prato do dia. A propósito: solidariedade ali dava em cacho. O cardápio variado era regado com carinho e amor.
Um dia ela envelheceu: como todos que não morrem envelhecem. Os filhos, já crescidos, tornaram-se cidadãos tão generosos, que multiplicaram a fortuna da família. Era o pagamento de todo o bem que fizeram ao longo da vida. Aí se entende porque alguns são felizes e outros não. Cada um colhe o que plantou. Parece frase do século passado, mas é a pura verdade. O ser humano recebe a recompensa que merece. Mesmo aqueles que parecem ter tudo, e que levam uma vida de dar inveja aos imprevidentes, se não foram caridosos ao longo da vida, cedo ou tarde recebem o pagamento de suas maldades.
Portanto, quando ela estava à beira da morte, partiu tranquila, porque sabia que deixara na Terra: o melhor de si mesma.
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