E O MUNDO NÃO SE ACABOU

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Análise do artigo de Mauro Luís Iasi:

A Maldição e a Emancipação do Trabalho

(Ou como a Humanidade Dançou e Como Ela Pode Dançar)

Do livro:

Sociabilidade Burguesa e Serviço Social
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O referido artigo inicia-se com a letra da música “E o mundo não se acabou”, de autoria de Assis Valente, que diz:

Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar…
Beijei na boca
De quem não devia
Peguei na mão
De quem não conhecia
Dancei um samba
Em traje de maiô
E o tal do mundo
Não se acabou…
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O artigo de Mauro Luís Iasi aborda as mudanças no mundo do trabalho. Trata da sensível, e ao mesmo tempo conturbada relação, entre o trabalhador assalariado (proletário) e o patrão (burguês) nos meios de produção Capitalista. Baseando-se na fala da filósofa política alemã, Hannah Arendt; Mauro Luís Iasi, que é formado em história pela PUC-SP, mestre e doutor em sociologia pela USP, e professor adjunto da escola de Serviço Social da UFRJ, constrói seu artigo sob a perspectiva e/ou ótica em que a filósofa em questão denominou de “fim do mundo do trabalho”. Em seu artigo, Mauro deixa claro que não haverá o fim do mundo do trabalho, mas do trabalho como conhecemos.

Este trabalho explorador, que impede o ser social e histórico (a humanidade) de transformar a natureza em cultura (denominada por Marx de “capacidade teleológica”, e por Lukács, de “prévia ideação”: o ser humano utilizando a ação das mãos e a capacidade cerebral),  onde o trabalhador não se reconhece no produto de seu trabalho, pois este é transformado em mercadoria. Ou seja, tanto o produto quanto o produtor, passam a ser vistos como mercadorias pelos burgueses e/ou capitalistas. Embora à primeira vista possa parecer uma figura de linguagem, no frigir dos ovos percebemos que o trabalhador não é capitalista: Capitalista são os burgueses. O trabalhador em sociedades como a nossa faz parte do maquinário que move a locomotiva do Capitalismo.

No Capitalismo, o trabalhador ao vender a sua força de trabalho, tornando-se assim um trabalhador assalariado, não se apropria do valor real de seu trabalho porque é explorado pelo capitalista, cujo processo faz com que parte do valor do trabalho se perca. Em suma, o trabalhador é expropriado. Ou seja, o valor do trabalho não pago ao trabalhador é lucro para o burguês, já que este não chega aos bolsos do empregado, mas aos cofres do patrão,  gerando a mais-valia (a superexploração da força de trabalho), que é a “expressão do âmbito da economia, criada por Karl Marx, que significa parte do valor da força de trabalho dispendido por um determinado trabalhador na produção e que não é remunerado pelo patrão, isto é, na exploração exercida pelos capitalistas sobre seus salários”. Do mesmo modo, é desta fonte de trabalho não pago pelos capitalistas a nós trabalhadores assalariados, que define o grau de exploração sobre o trabalhador. Temos então o conceito de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. A mais-valia absoluta é a intensificação do ritmo de trabalho: trabalha-se mais, trabalha-se muito, ganha-se pouco. O funcionário rende mais, trabalha por dois, por três, por dez, por mil, e ganha um quarto da metade do que ganharia um. A mais-valia relativa abarca as inovações tecnológicas inseridas no processo de produção capitalista. Ou seja, mais aumento na produtividade, mais dinamismo, e concomitantemente mais lucro para o burguês (industriais, comerciantes, agricultores, banqueiros etc), e com a diminuição da oferta de emprego, já que grande parte da produção é feita por máquinas (trabalho morto), o excedente fica a cargo de meia dúzia de funcionários (trabalho vivo). Isto é, maior lucro para os empresários, menos impostos pagos sobre os funcionários, menos direitos trabalhistas consolidados: é um chute no estômago do trabalhador.  

Neste caso, caímos no “fetichismo” (ou fetichismo da mercadoria: onde as mercadorias aparentam ter uma vontade independente de seu produtores), culminando na exploração do capital sobre o trabalho, no qual o trabalhador é reduzido a um simples “obedecedor de ordens” e/ou “fazedor de coisas”, ao ser impedido de exercer a sua intelectualidade: a externar a natureza do ser; do ser enquanto ser; do ser ontológico (do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres). Isto é, o trabalhador passa a viver sem teleologia: sem propósito, sem objetivo, sem finalidade. Ou seja, este fenômeno traduz-se como a coisificação do trabalhador, que é visto como mercadoria. E quanto mais aumenta o exército de reserva, o trabalhador tido como ‘aquilo que está à venda’, passa a ser confundido com objeto de comércio, e consequentemente, torna-se objeto descartável.

Dessarte, o Capitalismo é um retrocesso nas condições de trabalho. Pois, desde o advento da Revolução Industrial, o Capitalismo e/ou liberalismo (neoliberalismo) é o mal do século XVIII, XIX, XX e XXI. Pois quando o produto do trabalho vira mercadoria, incluindo aquele que o executa como vimos acima, o ser humano que se humanizou pelo trabalho e por suas relações sociais através da linguagem, se desumaniza. Donde se conclui que existe uma diferença enorme, e por assim dizer abissal, entre viver do trabalho e trabalhar para viver. Este silogismo fica claro, quando em seu artigo Mauro Luís Iasi, escreve:
“E é neste ponto que chegamos a um aspecto essencial ao nosso tema: o trabalho tem de deixar de ser somente um meio de vida. Ora, mas o trabalho é um meio de vida! Aliás, uma mediação essencial que é responsável pelo desenvolvimento do ser social e histórico que chamamos de humanidade. Quando perguntamos a qualquer pessoa: por que você trabalha? Ela nos responde: “Para pagar minhas contas, comprar o que é necessário para viver!”. Ao responder desta forma, o senso comum revela que o trabalho se degradou em mero “meio de vida” e não como primeira necessidade vital”.
Degradado em mero meio e não como vida, é natural que só nos sentimos vivos fora do trabalho e nunca dentro dele. Trabalhamos oito horas para viver os minutos que nos sobram no dia, cinco dias para viver no fim de semana, onze meses para viver nas férias, trinta e cinco anos para viver depois que nos aposentarmos. Olhamos para o relógio e pensamos: só faltam sete horas e cinquenta e nove minutos… só faltam dez meses e vinte e nove dias… só faltam vinte anos… Depois estranham que as pessoas enlouqueçam.

No pensamento burguês e/ou liberal (neoliberal), as relações humanas são definidas entre mercadorias. Mercadorias estas que, do ponto de vista do Capitalismo, passam a ser muito mais importantes do que quem as produz. Por isso, o valor de uso; que é o valor real de um produto, é atropelado pelo valor de troca; que é o produto transformado em mercadoria: em artigo mercadológico.  

Logo, o trabalhador em uma sociedade capitalista não se reconhece na mercadoria que produz ou no serviço que executa. Há uma sombria falta de identificação entre o trabalhador e aquilo que ele produz. O mesmo se dá quando o cidadão não se identifica com o que é público. Pois ele, o cidadão, foi convencido pelos burgueses através do senso comum (lê-se: lavagem cerebral),  a trocar o público pelo privado: o coletivo pelo individual. Ou melhor, a acreditar que o público não lhe pertence, já que é de todos. É o particular em detrimento do social.  

Destarte, enquanto o burguês tem em suas mãos o universo personificado por um iPhone, o trabalhador fica com seu lado interior falsamente preenchido por uma “vida de plástico” (artificial e/ou não-natural), que até pode ser um iPhone; embora este não o represente: mas o trabalhador não sabe disso, pois é um marionete em mãos burguesas. É como se o trabalhador passasse a vida a dizer a célebre frase de “A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, da imortal Obra de William Shakespeare: “To be or not to be, that’s the question”. Em outras palavras, o tempo todo ludibriado pelo Capitalismo, o trabalhador acaba consumindo para ser consumido; matando um leão por dia para depois morrer. Aí está a origem das patologias sociais e/ou fobias, do pauperismo, do preconceito, do etnocentrismo, da drogadição (ou toxicodependência), das guerras contemporâneas, de doenças como o ebola (FHE), dos acidentes de trabalho, do afastamento por motivo de saúde, da aposentadoria extemporânea, da perda do poder aquisitivo, dos crimes contra a natureza, do descaso pela pessoa humana etc. Daí podemos depreender que  nós, os trabalhadores, fomos ‘adestrados’ pelos capitalistas e/ou burgueses, a valorizar o indivíduo (individual; individualismo), de acordo com o pensamento liberal: em detrimento do ser social e/ou essência humana, que visa o coletivo e/ou coletividade. Isto nos leva a crer que enquanto o trabalhador não aprender a ‘pensar fora da caixinha’, — ou seja, enquanto o trabalhador não apreender a si mesmo (enquanto este não compreender que foi condicionado a raciocinar de forma estereotipada, já que neste sistema econômico o trabalhador não é incentivado a pensar, mas adestrado a obedecer), — o individual sobrepujará o coletivo. Ou melhor, a mercadoria superará o produto: o artificial ao natural, o valor de troca ao valor de uso, o burguês ao trabalhador, a miséria ao estado de bem-estar social, o trabalho morto ao trabalho vivo, o Capitalismo ao Socialismo. A propósito, o discurso capitalista-liberalista-individualista, lembra-me três ditos populares: “farinha pouca, meu pirão primeiro”; “cada macaco no seu galho”; e “cada um com seus problemas”. O que me leva a crer: Na vida não há nada mais execrável, e por que não dizer, humilhante, do que viver em uma sociedade capitalista.  

Na visão capitalista, o trabalhador é comparado ao personagem Burro Falante, da série de livros infantis de Monteiro Lobato: Sítio do Picapau Amarelo. Todavia, ao contrário do sábio Conselheiro de “Reinações de Narizinho”, o trabalhador visto como mercadoria pela burguesia, fala mas não pensa. Articula mas não interage. Ou seja, não possui linguagem.  

Ao abordar conceitos como a essencialidade do trabalho, o paradoxo do estranhamento do trabalho, o trabalho produtor de mercadorias e o fetichismo, a emancipação humana e o trabalho,  Mauro Luís Iasi chega à conclusão que, de acordo com o pensamento marxista, é possível a emancipação humana: “constituinte de uma nova ordem societária: sem exploração de classe, sem discriminação de gênero, geração e etnia e que rompe com os processos de alienação e coisificação humana, próprios da sociabilidade burguesa”,  como denota o prefácio do livro “Sociabilidade Burguesa e Serviço Social”. Seguindo esta linha de raciocínio, Mauro Luís Iasi conclui seu artigo, dizendo:  
“Ela (a emancipação humana) é necessária porque a forma de sociabilidade submetida ao capital converteu-se em uma ameaça à continuidade da humanidade e por isso precisa ser superada se a humanidade quiser seguir em sua aventura. Para o mundo continuar, este mundo deve acabar.
Assim, é que anunciamos e garantimos que o mundo do capital precisa acabar e convidamos a todos os trabalhadores a pegar a mão de quem conhecem, beijar a boca de quem gostam e quer ser beijado e marcarmos uma grande festa para dançar, com ou sem maiô, festejando o dia em que a exploração acabou. Depois da festa, a gente volta a trabalhar… para nós”.

A meu ver, será o paraíso sobre a terra.

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Referência:

Forti, Valeria. Guerra, Yolanda. Sociabilidade Burguesa e Serviço Social. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2013.   
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