PEQUENO MAPA DO TEMPO


No teto do mundo:

Na semana passada conheci uma monja. Estávamos meditando nas montanhas do Tibete. Depois de uma longa caminhada no mais absoluto silêncio, paramos à margem do rio Brahmaputra para descansar. Tomamos um pouco de chá. Comemos um bolinho de maçã com canela. Entoamos um mantra. Conversamos sobre assuntos diversos. Um deles impressionou-me mais que os outros. A monja, falando sobre o estrago que o escândalo provoca em nossas vidas; como exemplo, esclareceu-me que Van Gogh ao ler o Evangelho Segundo São Mateus, entendeu errado as palavras do Cristo, que de acordo com o apóstolo, dissera: ‘Se a vossa mão ou o vosso pé vos é objeto de escândalo, cortai-os e lançai-os longe de vós; melhor será para vós que entreis na vida tendo um só pé ou uma só mão, do que terdes dois e serdes lançados no fogo eterno. Se o vosso olho vos é objeto de escândalo, arrancai-o e lançai-o longe de vós; melhor para vós será que entreis na vida tendo um só olho, do que terdes dois e serdes precipitados no fogo do inferno’.

“Logo depois”, — disse-me a monja — “às vésperas do natal de 1888, Van Gogh correu as mãos em uma gaveta, retirou de lá uma faca, e em um único golpe, decepou a orelha direita. Não importa se o ato foi provocado pela conturbada amizade entre ele e Paul Gauguin, ou qualquer outro motivo. Ali estava instaurado o escândalo. E onde há escândalo não há ética. Isso quer dizer que não é preciso amputar um membro, ou o órgão da visão, ou uma cartilagem. Basta, simplesmente, e tão somente, cortar o mal pela raiz. A raiz é o que brota do interior da gente. Lá está o início e o fim de nós mesmos. O escândalo é uma ressaca moral. Não é somente aquilo que todo mundo sabe; que todo mundo vê. Mas aquilo que está guardado em nossas almas: nossos vícios, nossos maus sentimentos, nosso orgulho, nosso egoísmo, nossa vaidade; que são os maiores males da humanidade. É preciso entender que ‘não há salvação fora da caridade’. E a maior caridade é aquilo que se faz por si mesmo. Caridade é algo que vem de dentro. Afinal, cada um só dá aquilo que tem: aquilo que é. Por isso orar e vigiar é necessário. Porque equilibrar-se é necessário. Viver não é fácil, eu sei. A gente é jogado para lá e para cá o tempo todo. Isso machuca, sabe. Mas não há mal maior do que um ser perdido em si mesmo. Viver é libertação. O amor é a prova disso. Pois o amor liberta. Liberta do ódio. Liberta da tristeza. Liberta da solidão. Mas só há amor aonde há caridade. Aí descobrimos a fé. Aí damo-nos conta da esperança. Aí entendemos que é possível sem feliz sem sofrer. Van Gogh estava errado. Deveria ter cortado o mal pela raiz. Não a orelha. Entendeu?” Entendi — respondi.

Continuamos a nossa caminhada rumo ao encontro de nós mesmos. A estrada é longa. Mas é possível ser feliz sem sofrer.


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