DOCE MISTÉRIO DA VIDA
A orelha de Van Gogh, ou “Poema do Menino Jesus”, — de Fernando Pessoa, ou “Ah! Sweet Mystery Of Life”, — de Victor Herbert e Rida Johnson Young; no operístico encanto de Jeanette MacDonald e Nelson Eddy, ou àquela na voz da Maria Bethânia ou do Belchior, — na versão do Alberto Ribeiro:
Dia desses conheci uma rapariga em um eléctrico em Lisboa, e com ela dei-me a conversar. Após momentos doces como toucinhos do céu, ela que é espírita, disse-me que quando Chico Xavier acicatou: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”, — ele não se limitou a dizer ‘fim’ como termo; mas como meio, finalidade, segunda chance, reforma íntima, reconstrução pessoal, mudança interior, alvo, intuito, meta, objetivo. “Isso quer dizer que podemos ser melhores do que somos” — esclareceu-me. “Como incentivo, Francisco Cândido Xavier ensinou-nos, que quem se reedifica não parte do zero, porque tem uma vida pregressa: uma história para contar. Apoiando-se no que viveu, e não renegando o passado; a pessoa que se é, — o sujeito põe abaixo o castelo de cartas edificado sobre areia movediça, e parte para o porto seguro que existe em si mesmo. Mudar é sempre para melhor, porque é ação provocando reação igual e contrária, tirando-nos da inércia” — comentou. “Saindo do campo meramente teórico do termo ‘evoluir’, chega-se à expansão do espírito; ou mente; vulgo sabedoria infinita; universal: por conseguinte; a parte imorredoura do ser” — pontificou. Embora fosse uma pensadora matraqueada, era simples. Simples de entender. Era só deixar de lado o peso do vocábulo; que às vezes depende do léxico para manifestar-se em congraçamento, e observar o conteúdo nas entranhas da forma: o profundo no liame da superfície.
Mudança, qual a truncação da orelha de Van Gogh; uma vez efetuada, revira-nos as entranhas: qual o ato de seccionar. O que nos leva a inferir, que viver é venusto, mesmo com todas as dificuldades do mundo. Donde se conclui: o corpo precisa de ciência. O espírito; sabedoria.
Quando ela deixou o eléctrico, percebi o quão deleitoso foi vê-la deitar sabença. Ela, que em poucos minutos ensinou-me muita coisa, só me deixou uma dúvida: Por que a mulher da minha vida não mora na casa ao lado?
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