IT’S A LONG WAY
Clarice Lispector, em sua coluna no Jornal do Brasil de 20 de dezembro de 1969, escreveu o seguinte:
Entre aspas
Quando mexo em papéis antigos, isto significa exteriormente alguma poeira, e interiormente raiva de mim mesma: porque, nunca me convencendo de que tenho má memória, copio entre aspas frases ou textos e depois, passado um tempo, como não anotei, pensando que não esqueceria, o nome dos autores, já não sei quem os disse. Por exemplo:
“Vemos que aqui na terra os opostos se misturam, que um valor positivo se compra ao preço de um valor negativo. E, talvez, a experiência metafísica a mais profunda — a que vem quando o ser toma consciência do absoluto, o que lhe dá um estremecimento sagrado e deixa-o entrever a felicidade, aquela que lhe permite o acesso ao sobrenatural — talvez essa experiência só seja possível quando a alma está tão deslocada que não lhe é mais possível reerguer-se de sua ruína.”
“O que parece incoerente à fria análise pode às vezes estar carregado de sentido para o coração, e este o entende.”
“Não se saberia adquirir o conhecimento intuitivo de um outro universo sem sacrificar uma parte do entendimento que nos é necessário no mundo presente.”
Não se avexe não, Clarice querida. O mesmo se deu comigo. Trago na alma uma série de frases sem nome ou sobrenome. E estejam onde estiverem, mesmo que eu jamais saiba de quem são os escritos aspados nos meus manuscritos, ainda assim, os autores que leio desde menino, cumpriram o seu papel. Sim, minha querida. Também são minhas as suas feridas. Afinal, confesso, sou um homem só. O livro é meu melhor amigo. E você, minha querida, não fica atrás.
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