LAMA

Ela dizia que o sofrimento faz bem à alma. Como a forca no pescoço do condenado. Como o açaimo no cachorro. Pregava que a felicidade é o sofrimento  mais insuportável que há. “O sujeito passa a vida toda juntando dinheiro, faz de tudo para realizar seus sonhos; estuda dia e noite, trabalho como um asno, — e quando chega a hora de gozar das vicissitudes da vida, vem a morte e o apunhala pelas costas…”. “Por isso gosto de sofrer. O sofrimento me enche os olhos de sangue e cólera. A raiva me enche de orgulho. Quando sofro, vejo a vida passar pelas minhas veias, e morro cada dia como se fosse o último. Se tivesse um enfarte fulminante agora, morreria mostrando os dentes! Ia sorrir até minh’alma ser arrancada de mim com um gancho de pesca. Seria o espírito mais feliz do mundo, se alguém me dissesse na hora da minha morte, que a felicidade não existe. Sem essa de céu… Sem essa de vida eterna… Quero um punhado de terra sobre meu caixão, um buraco com sete palmos milimetricamente medidos, muito rato e barata em volta de mim; e que os vermes me comam! Não… quero ser cremada. Viva! Quero sentir o lança-chamas derretendo-me da cabeça aos pés. Quero queimar feito um boneco de cera!”.     

Ela dizia essas coisas enquanto fazia as unhas. Pintava-as de negro. Era o tipo de pessoa que vê o inferno em cada esquina. Afirmava que o ser humano é podre e que ninguém presta. Contestava até a santidade dos santos. Dizia ter provas de que eram todos uns devassos. Não acreditava em nada. Nem em Deus. Dizia que o Criador é uma invenção do homem. “A falácia de alguém capaz de criar o universo num estalar de dedos, é uma ideia de girico! Imagina… Nós somos o quê? Um bando de soldadinhos de chumbo? Sim, senhor! Não, senhor! Por favor… me poupem dessa palhaçada!

Quando o mundo acabou, todos morreram, só ela foi poupada. Fazer o quê… ficou na Terra, coitada.

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