LOVE NEVER FELT SO GOOD
Tudo sobre Clarice e eu:
Esta
semana terminei de ler “A Descoberta do Mundo” pela enésima vez. Estava no ônibus, e fiquei
imaginando o que Clarice Lispector me diria, me vendo ali: a lê-la e relê-la. Clarice
e eu somos velhos amigos. E eu sei que Clarice me ama. Não, não nos conhecemos
pessoalmente. Quando Clarice foi embora deste mundo eu era apenas um niño. Mas,
como há coisa na vida que é improvável; jamais impossível, — se Clarice me visse ali no carrinho de bebê, ela diria: “Este menino é o menino
mais lindo do mundo!”. Um pouco de presunção da minha parte, talvez.
Entretanto, amo tanto Clarice, que sei: Clarice me ama.
Por isso, ali no
ônibus voltando do trabalho, terminei de ler meu livro de cabeceira pelo enegésimo ensejo. Sim, “A
Descoberta do Mundo” dorme quando eu durmo e acorda quando eu acordo. O calhamaço fica ali, parado, olhando-me de soslaio noite a dentro. O cartapácio é tão bom que de repente tem vida própria. Quiçá saia por aí enquanto eu me aninho nos braços de Morfeu e
vá tomar uma cerveja no bar da esquina. Possivelmente, meu livro de
cabeceira pediria uma Budweiser, uns petiscos para acompanhar, e ficaria no tal
boteco vendo a vida passar. Ou, eventualmente, pedisse um conhaque com catuaba,
e do mesmo modo, ficasse a entrever, apreciar, espectar, lobrigar, divisar. Eu
sei que é uma heresia colocar Clarice em um ônibus, já que ela só andava de
táxi. Todavia eu, um pobre operário, carrego as suas palavras na marmita (livro
bem acondicionado para não amassar) embaladas em uma sacola de plástico. Sim,
Clarice e ônibus não combinam… eu sei. Contudo, não saio de casa sem nada
para ler. A literatura está para mim como o sol para a existência da vida na
Terra. Sem essas letrinhas sou um homem ao meio. Quando não tenho diante dos
olhos, vocábulos que reunidos contam uma história, não sou senhor de mim. Aí sou mais pobre do que realmente sou. Porque a minha pobreza tem a ver com falta de
dinheiro e não com escassez de alma. Pois minh’alma se alimenta de livros. E
faminta que é, sempre quer mais. Sim, minh’alma é uma velha gorda e voluptuosa, que passa dias e noites comendo livros.
Será que é pecado levar meu livro de
cabeceira para passear? Acho que não. Se ele tem vida própria, qual o problema
de carregá-lo para jornadear? Nenhum. Sim, Clarice me ama. E já que estamos
falando dela (e dele), e “A Descoberta do Mundo” está bem aqui à minha frente,
vou ler o livro de novo. Sim, a literatura está para mim como o sol para a
existência da vida na Terra. Logo, minh'alma é eterna.
PS: Clarice, te amo.
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