A NOSSA CASA
En mis adentros:
Nos adentros de minh’alma há um velho fumando um cigarro de
palha. Ao seu lado, um copo d’água. Há um pasto vastíssimo: onde o gado corre
solto. Uma moça muito jovem, que deve ser neta do velho, nos dias frios cobre-o
com uma manta. Há tosquio, lã e ovelha.
E uma mulher que de vez em quando faz a sobrancelha. Há mel de abelha. Vejo
também um fogareiro à lenha, chão de terra batida, estio, sertão. Venta nos
finais de tarde. Faz sol de chão rachar. Tem alguém que toca violão, mas chama-o
de viola. Tem o aqui e o agora, mas de outro jeito. Nos adentros de minh’alma o
tempo custa a passar. Há um que bate o sino chamando para a missa. Há o
frade que de vez em quando vem nos visitar. Não sei se sou o velho, a moça ou a
mulher de sobrancelha feita. E isso a mim não importa. O que é a
realidade senão um bloco de notas? Há muito que não sinto dor aqui dentro.
Antigamente havia um desassossego em mim. Então eu gritava de dentro para fora
até a dor passar ou voltar. De dentro para fora, de fora para dentro, de mim eu
me alimento. Pois se de mim não me
abasteço, enlouqueço. Hoje sequer dor de cabeça eu tenho. Antes havia uma enxaqueca de estalar os ouvidos. Agora nem frio sinto mais. Não sei quem são esses que me habitam. Eles chegam e
ficam. Às vezes, quando me revisitam, oferecem-me chá com torradas. Educado,
aceito. Mas não gosto de chá com torradas. Aqui há também uns livros. Não os
li. Entretanto vejo na estante Fernando Pessoa, Cecília Meireles e a autobiografia de Jean-Luc Godard. Há em mim um lugar. Algum tempo vejo. Percebo. Sinto. Sim, há em mim um pasto vastíssimo. Uma casa, uma vila: ao fundo, o rio-mar. Tudo isso eu trago nos
adentros de minh’alma.
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