PORTO DO AMOR


No vivimos en el Muelle de San Blas:  

É muito triste caminhar pelas ruas de qualquer metrópole brasileira, e ver uma multidão de desvalidos jogados ao relento. Muito triste. Triste porque são seres humanos como você e eu. Triste porque podia ser um de nós. Triste porque ninguém está livre de ocupar uma marquise. Ainda mais em um país como o nosso, que tem uma economia tão volátil; que se você é pobre, operário, assalariado; em suma, trabalhador, pode ver seus planos descerem pelo ralo em um piscar d’olhos. E isso me entristece.

Por isso, quando saio de casa, nunca estou preparado para ver alguém estirado no passeio público, sofrendo todo tipo de humilhação. Pois quem vive em situação de rua não está nesta condição porque quer. Ninguém em sã consciência, querê-lo-ia. Está lá porque falta oportunidade. Falta interesse dos governos. Falta solicitude civil. Falta investimento em saúde pública, assistência social, previdência social, educação etc.

Vivemos em um círculo vicioso, em que os problemas, as causas e/ou motivos, são os mesmos. A realidade da população em situação de rua pode parecer muito distante para quem tem posses financeiras e se acha acima do bem e do mal. Ainda mais para quem pertence a classe média. Ou seja, não é burguês nem proletário. Ledo engano. Quando se olha nos olhos desses que estão abandonados por aí, vê-se que ali mora a anatomia da alma humana. Quer dizer, aquele que lobrigamos com indiferença é gente como a gente. Por esse motivo, na ocasião em que estava viva, minha avó sempre me dizia para não virar as costas para ninguém. “A dor que você sente, o outro sente” denotava. “Se cortarem seu dedo aqui (apontava), você padecerá. O mesmo se dá com seu semelhante”. E continuava “Dessarte, pense duas mil vezes antes de desmerecer a quem quer que seja. E se for pouco, conjeture novamente. Mas jamais, jamais mesmo, faça ao outro aquilo que se lhe fizessem, causaria dor. Acredite no amor. O resto é despejo. E como tudo que é sobejo, o tempo leva: vira pó”.

A pessoa em situação de rua é um ser humano. Isto é, não é passível de higienismo ou limpeza social. Isto é, merece todo respeito. Isto é, não faz jus a ser divisada como objeto descartável. Isto é, não pode ser vista como lixo do capitalismo. Isto é, não se usa uma pessoa e deita fora. Assim, nosso corpo social comete um crime quando ignora o sofrimento de outrem. Logo, me entristeço. À vista disso, choro. Consequentemente, fico triste. Destarte, não sou feliz. Ninguém é. Não em uma sociedade como a nossa, que usa a essência da pessoa humana, depois joga fora.     

O estado de bem-estar social é o porto do amor.


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