NÃO PRECISA ME AMAR


Sem ti Nova York é um terreno baldio:

Eu sempre odiei morar de aluguel, porque é a maneira mais cruel de se jogar dinheiro fora. Eu acho. A gente paga, paga, e não compra nada.

Houve uma época, nos tempos que morei em NYC, que a minha senhoria; uma velhinha que eu não sabia se era amarga porque era solitária ou se era solitária porque era amarga, toda vez que vinha cobrar-me o aluguel, aconselhava-me com os olhos, sem dizer uma só palavra. Se quando chegava, via que a casa estava desarrumada, levantava as pestanas e reprovava-me com as sobrancelhas. Em silêncio. Aconselhava-me com a alma. Só que aquele olhar de reprovação, e o esvoaçar daquelas pestanas que mais pareciam uma lagarta recém-borboleta, obrigavam-me a deixar a vida em ordem. Assim que ela saía, eu corria, e arrumava a casa.

A minha senhoria, aquela com as sobrancelhas de lagarta e pestanas de borboleta, era uma mulher profundamente amarga. Além de nunca trocar uma palavra comigo nem com os vizinhos, ela ainda mancava. Era meio coxa, a coitada. Puxava de uma perna. Era a direita que não funciona ou era a esquerda que não prestava? Não me lembro. Espera aí… era a perna esquerda que tinha dado defeito, eu acho. Não… era a direita que estava estragada. Talvez. Ela devia sentir dor, incômodo ou coisa parecida. E isso certamente dava-lhe aquele ar de tristeza, como se vivesse com uma estaca cravada no coração. Por isso não falava comigo nem com ninguém. Devia sentir dor de morte em plena vida. Sei lá… Uma pessoa de idade avançada, sem filhos, amigos ou parentes por perto, é muito triste. Tristíssimo. Como um tiro no peito. Feito um mar de lágrimas. Às vezes intuía que ela queria falar alguma coisa. Não para mim… eu acho. Para o mundo.

Um dia chegando em casa, soube que ela havia morrido. “Coisas do coração” — disse o socorrista. Aí pensei: ela morreu de coração vazio. Fiquei triste. Chorei. Quando aproximei-me do meu apartamento, percebi que havia um bilhete grudado ao batente da porta, que dizia: “Eu nunca sorri para você, não porque não quis. Mas porque não pude. Você é como um filho para mim. Embora não tenhamos trocado uma só palavra durante todos esses anos. Entretanto, eu sempre lhe amei como quem ama a um filho. Mesmo a sua casa sendo uma bagunça, vislumbrei nela o esboço de um lar. Você foi o único que me ensinou a conjugar o verbo amar. O único que soube ouvir o meu silêncio. O único que entendeu a minha angústia: sem separar dela a minha dor. O único que tocou a vastidão de minh’alma… Por isso, meu rapaz, cuide de tudo para mim. O prédio agora é seu”. 


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