ESCONDERIJO
Na terra de Camões e Pessoa:
Quando
eu morava em Lisboa, tinha uma amiga chamada Sunflower. Era uma americana que
havia morado alguns anos na Inglaterra. Cansada do céu cinzento de Londres,
mudou para Portugal no mesmo instante que eu. Acho que alugamos apartamento no
mesmo dia. Creio que tornamo-nos vizinhos por um capricho do destino. Embora
não acredite em destino, ele existe: como las brujas que yo no creo; pero que las hay, las hay.
Então,
Sunflower era uma bruxa. Não bruxa de livro; dos contos de fadas, dos filmes.
Não. Sunflower era uma bruxa de pano. Uma bruxa de pano-humano. Uma
bruxa-humanizada. Um ser humano com jeito de bruxa de pano. Sunflower era
frágil e delicada; é isso que quero dizer. Por isso parecia com uma boneca de
pano. E como tinha aparência de bruxa; não por ser feia, ter nariz cumprido com
uma verruga na ponta, ou coisa do tipo. Não. Sunflower parecia bruja porque era bruja. É assim que chamamos as bonecas de pano na Espanha: dessas feitas em casa
ou compradas na feira. Bonecas artesanais. Acho que estou me
enrolando ao invés de explicar. Embora tenha certeza que você entendeu. Mas vou
tentar novamente. Tenha paciência comigo. Hoje acordei meio tonto. Isso não é
novidade para mim. Sou tonto de nascença. Quem convive comigo, sabe. Levo
meia hora para dizer um simples: olá. Isso pela manhã. À tarde, pioro. E à
noite: perda total. Não funciono. Mas voilà… tentemos de novo. Sunflower
parecia uma bruxa porque mexia com ervas, aromas e incensos. Tinha sempre a
receita que salvaria uma vida: um unguento, uma poção, um fortificante, uma benção. Horas
pegava-a rezando. Outras, falando sozinha. Nesses momentos, para não parecer
que era louca, dizia-me que conversava com Deus. Se Ele respondia, eu não sei. Todavia Sunflower estava sempre sorrindo. O que dava-me a impressão que sim. E se
Deus falava com ela, é sinal que era boa pessoa. Embora ache que Deus fale com os maus também. Só que eles não ouvem.
Sunflower
era uma bruxa porque era frágil e delicada como uma boneca de pano. E mexia com
ervas. Não era feia nem bonita. Ficava no meio termo das coisas. Horas parecia um mar de alegria. Em outras, um poço de tristeza. Mas nunca triste de fato. Jamais cem por cento
alegre. Era um cadinho disso numa pitada daquilo. Era o suficiente. Nem salgada nem doce. Muito menos amarga.
Sunflower
e eu vivemos tudo que podíamos viver nos nossos dias em Portugal. Ela era puro
fado. E eu, guitarra portuguesa. Juntos, éramos a lembrança do passado que não
vivemos. Um passado sem nostalgia. Em Lisboa éramos tão parecidos com Fernando
Pessoa, que até o pretérito para nós era novo. Eu, um brasileiro criado na Espanha,
e ela, uma americana com sotaque britânico. Conhecemo-nos na terra de Luís de
Camões, ao som dos canhões que saldavam a chegava da primavera com muitas taças
de vinho. Embora eu ame o Brasil e a Espanha, Portugal está para mim como
Amália Rodrigues está para os portugueses. E amo também os Estados Unidos e a Inglaterra, por terem me dado em Portugal, aquilo que minh’alma buscou durante uma vida: uma amiga.
Hoje
moramos no Chile. Casamo-nos, sim. Tivemos filhos. Sunflower passou a ser minha
esposa, mas continuou minha amiga. O nosso pedacinho de terra atual fica em
Santiago. Todavia o quintal da nossa casa é o mundo. Pensamos um dia voltar à
Portugal. Rever Lisboa. Desde que de lá saímos, não mais voltamos. Minha
bruxinha e eu. Eu e minha boneca de pano. Nós nos amamos.
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