MOTHER
The Wall:
Era domingo. Ela acordou cedo.
Pôs água para ferver. Fez um café bem forte para espantar o sono. Tomou. Os
filhos iriam visitá-la naquele dia banhado de sol. Almoçariam juntos, jogariam
conversa fora, e depois cada um tomaria o seu rumo. As noras, os genros e os
netos também viriam. A família era grande: três filhos homens, três filhas
mulheres, três genros homens, três noras mulheres, e cinco netos. Redundante,
eu sei. Pleonástico. Mas ela preferia separar homens e mulheres, para depois juntá-los. Ficara
viúva a pouco tempo. Agora vivia isolada em uma casa enorme. A impressão que
tinha era que a cada ano a casa ficava maior. Imensa. Parecia-lhe que as paredes
tornaram-se muros e os muros ocupavam quarteirões. Com o casamento dos filhos,
cada um pegou o caminho da rua. Aí a casa foi aumentando. E agora, com a
partida do marido, aquela casa virara um deserto. Um castelo quase mal
assombrado. Um palácio em ruínas. Esteticamente tudo estava em seu devido
lugar. Ela era uma ótima dona de casa: organizada, aplicada, limpa, impecável.
Só que a bagunça era interna. Embora os filhos estivessem bem (casados e
felizes), e o marido melhor ainda (já que havia se mudado para a casa de Deus); todos partiram. Havia dia que o silêncio ali era tão profundo, que
doíam-lhe os ouvidos. Isso mesmo… o silêncio naquela casa era ensurdecedor. E
olha que a casa não era tão grande assim: quatro quartos, duas salas, uma
cozinha, uma copa, dois banheiros, um quintal nos fundos, um jardim na frente, uma
lavanderia e só. Mas o engraçado era que quanto mais o tempo passava, mais a
casa crescia. Aquela casa era quase humana. Ou melhor, era uma casa-animal.
Crescia com a velocidade com que crescem as plantas. Mas crescia. Crescia para
fora. Crescia para dentro. Crescia para frente. Crescia para trás. Crescia para
baixo. Crescia para cima. E quanto mais crescia, maior era o vazio daquela
mulher. Por isso aquele domingo era especial. A casa seria ressuscitada,
guarnecida, rejuvenescida, povoada. Seriam dezoito pessoas caminhando daqui
para lá e de lá para cá. Ah, ali também morava um cachorro: o bom e velho Rex.
Rex era mágico. Tinha cartola e tudo! Quando era jovem, como Rex latia… Latia porque era noite.
Latia porque era dia. Latia porque era carteiro. Latia porque era gari. Latia até o sol se pôr. Latia até o sol nascer. Rex latia
tanto que acordava a lua. Rex latia tanto, que quando o satélite natural da Terra se dava conta, uma
hora era noite e na outra já era dia. É verdade… Rex era o relógio do mundo.
Rex controlava as horas. Rex era o homem do tempo. Só que a velhice chegou: agora Rex é o silêncio em pessoa. Mas para aquela mulher, Rex era o conjunto de todas as coisas. O amigo fiel. Fora ele que ficara quando todos partiram.
Mas como íamos dizendo, era
domingo. Depois de tomar aquele café fortíssimo, arrumou a casa, passou uma
escova nos cabelos, sorriu para o espelho, trocou de roupa, deu um pulinho na
rua, providenciou o que faltava para a ceia em família, aproveitou e comprou flores
(afinal uma casa sem flores não é um lar com perfume de rosas), voltou para
casa, preparou o almoço, correu para o chuveiro, tomou banho, ficou linda,
escovou o Rex, pôs nele uma gravata vermelha, a campainha tocou, ela abriu a
porta; os filhos, filhas, genros, noras e netos entraram e a patuscada começou.
MOTHER™ © copyright by Carlos Alberto Pereira dos Santos 2013
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY CARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS
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