LACRIMOSA


Entre mim e eu:

Trago em mim uma dor infinda. Uma dor que não tem nome. Uma dor que não se sabe onde, dói. Uma dor profunda. Côncava. Arreigada. Uma dor que dói-me a alma. Uma dor que atravessa meu eixo. Meu cerne, chora. Uma dor entranhada em mim. Sólida. Firme. Inabalável. Crua. Uma dor que arreda meu conteúdo. Uma dor que me deixa mudo. Uma dor que invade o imo; que exaure a minha essência: que me deixa nu. Uma dor encovada. Reentrante. Funda. Uma dor que alui o eu do mundo. Uma dor e só. Mas uma dor só, não está só. Traz consigo muito sofrimento: abalamento, devastação. É assim a dor que eu sinto. A dor de ser só sem estar só. Assim é o meu desterro. Ou melhor, a minha proscrição.

E essa dor vai aumentando até meu corpo ficar dormente e parar de doer. Logo vem a ausência a tomar posse de mim, regorgitando. O vazio interior me invade. Mas não é taciturnidade. É o grito do silêncio. Como um copo metade cheio, metade vazio; transbordo. Meu corpo fica oco. Em segundos, o espírito desguarnecido, sangra. Então a dor torna-se a minha demoiselle. Ulteriormente vem a falta de não se sabe o quê, subindo e descendo, revirado-me as entranhas. Penso que é introversão, mas não é. Insuspeição, talvez. Escassez. Puerilidade. Presumo ser falta de amor, o meu amor. Porque vem-me uma sensação de tempo perdido, de coração desabitado, de peito despovoado, de espírito desértico. Influxo. Depois surge uma dor de dar calafrio. Arrepiada, minh’alma sente frio. Antes mesmo do coração sair pela boca (e parar de bater), aquela coisa solta desce e sobe: a dor não passa. Choro. Não é uma dor localizada. É uma dor dilacerada. Minha doce cicatriz. Uma dor que vem de dentro para fora. Uma dor que sai, depois volta: e me deflora. Uma dor emurchecida. Uma dor perdida. Parada. Acabrunhada. E essa dor desgraçada é uma celerada. Faz de mim o que quer. Quanto mais eu sofro, mais ela ri. Quanto mais eu choro, mais ela acha graça.

Nessa hora, com medo de enlouquecer, procuro abrigo nos braços de Henrik Ibsen, que me diz:
“Pode-se ficar alegre consigo mesmo durante certo tempo, mas a longo prazo a alegria tem de ser compartilhada por duas pessoas”.
Ibsen está certo. Preciso de alguém para repartir o pão (o maná, o alimento de minh’alma), antes que essa dor me devore por inteiro. Alguém que possa cuidar de mim e se disponha a me deixar fazer o mesmo. Porque ao fazê-lo, ambos dovoraremos a nós mesmos. Silêncio. À vista disso, Ibsen olha-me nos olhos, e me fala:
“O homem mais forte do mundo é o mais solitário”.
Sim, eu concordo. Não seria nada para mim, suster sem a ajuda de ninguém, o peso do mundo. Entretanto sou incapaz de suportar o volume do meu corpo. Sinto-me fraco, Ibsen. Preciso de ajuda.

Instantes depois…

Ibsen, a dor voltou.

Que dor?

A dor das minhas entranhas, devoradas por mim.

Sério?!

Nunca falei tão sério em toda a minha vida. A dor não passa, Ibsen. O que eu faço?

— Don’t touch. It’s Art.


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