Eu não tenho o hábito de me maquiar. Mas hoje sem quê nem porquê, sentei-me à penteadeira da minha esposa, e lá estava eu, perguntando a ela como ficar branco. Maluquice da minha parte, mas a sociedade vez por outra, obriga a nós negros, a darmos uma esbranquiçada. Minha esposa, que acha tudo muito natural, até mesmo ver o marido preocupado com coisas nada edificantes, explicou-me que com um pouco disso e muito daquilo, eu poderia ganhar, digamos, uma aparência mais branquinha. Levando os seus conselhos ao pé da letra, após tomar alguns litros de alvejante e usar hidroquinona 4%, minha makeup estava pronta. 'Agora eu sou, sem sombra de dúvida, um homem branco' – pensei. Fiquei olhando-me no espelho, imaginando o que o porteiro diria se eu saísse assim bem branquinho, todo trabalhado no “moonwalk”, e passasse pela portaria dizendo que ia comprar pão. Pensei no síndico... E na mulher gostosa do síndico. Pensei na minha sogra. Pensei na fofoqueira do 402. Pensei em tanta gente, que quando me dei conta, já estava parado ali – à frente do espelho, por quase duas horas.
Foi aí que me lembrei o motivo de naquele dia, e devo sublinhar, somente naquele dia, ter querido ser branco. Foi por causa de um sonho. Na noite anterior, sonhara com o Michael Jackson. Aquele mesmo que todo mundo conhece: O Rei do Pop. No sonho, por algum estranho motivo, que por mais que eu faça um esforço sobre-humano, não consigo recordar, havia me transformado no cara. Eu não estava sonhando com o Michael. Eu era o Michael! Lembro-me que estava num hotel em Las Vegas, fazendo vocalize à frente do espelho, preparando-me para subir ao palco e cantar: Childhood. Aí me deu um nó na garganta... Imaginei como o Michael deve ter sofrido. Crescer numa sociedade racista deve ter sido uma barra. Afinal, antes da maquiagem, eu também era negro. Não era difícil colocar-me no lugar do cara, tendo nascido no Brasil – que é sumariamente falando – um país racista. Ser negro no Brasil de hoje ou nos Estados Unidos dos anos sessenta, dá no mesmo – se a sua sociedade não presta. Até quando o assunto é sobre racismo ou preconceito, a gente está atrasado em comparação ao primeiro mundo, pelo menos uns cinquenta anos. Aí eu pergunto: 'Who's Bad?'. Um país que após cinco séculos do seu descobrimento oficial, passado sessenta anos desde a inauguração da TV no Brasil, vangloria-se por finalmente, ter o primeiro galã e protagonista de telenovela negro, só pode ser um país de mentirinha. No melhor sentido ficcional da palavra, é claro... No país do faz de conta, preconceitos velados fazem parte da Cartilha de Boas Maneiras. Num lugar onde respeito é apenas uma palavra no dicionário, nada mais politicamente correto que ser falso e mentiroso. Deve ser por isso que as pessoas gostam tanto de carnaval no Brasil. Porque com ou sem fantasias, elas podem fingir que são, o que não são, por mais quatro dias. Mas não se sinta ofendido(a)... Esta é uma Obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Mas voltemos ao Michael... Como eu, ele deve ter chorado bastante. Ainda mais sendo uma criança negra no mundo dos adultos brancos. Porque mesmo tendo trabalhado tantos anos para a Motown Records, uma gravadora negra, o show business não se importa com a cor da sua pele – desde que você seja branco. Se o indivíduo não for a reencarnação do Zumbi dos Palmares, após anos de exposição na mídia, ele acaba ficando meio transparente, translúcido, albino, mergulhado em água sanitária ou cloro; quase invisível aos olhos. Enquanto o outro enxerga-lhe, mas não vê quem você é de verdade, parece que a realidade vai esvanecendo – apagando-se no universo. Entretanto, mais difícil que ser uma criança no mundo dos adultos, deve ser; ser um adulto no mundo das crianças. Assim eu, o Michael Jackson falsificado, vivi no sonho, a dor que ele, o Michael Jackson real, deve ter sentido na pele. Após “Childhood”, saí do palco e não quis mais cantar. Aquele nó na garganta tornou-se insuportável. Cantar agora era a última coisa que eu desejava fazer.
Eu conheci o Michael Jackson quando ele ainda não era branco. Inacreditável: Como eu, o cara um dia já foi negão! Vitiligo à parte, a sociedade racista deixa a gente cada dia mais branco, como comercial de sabão em pó. Uma pena... Há gente bonita em todas as raças. Todo mundo é belo, não importa a cor. Sendo assim, aviso aos navegantes: A partir de agora, volto a ser negro.
Oi Betto! Muito bom este conto. Fico muito orgulhoso em saber que um escritor tão bom como você vive no Brasil. Você é um escritor perfeito! Para todos nós, seu leitores, é um privilégio vir ao seu blog e poder degustar textos tão bem escritos. Gostaria de ver o seu trabalho em outras mídias, como revistas e jornais. Uma coluna sua, certamente será um sucesso em qualquer veículo. A sociedade brasileira precisa ter mais contato com o seu trabalho. Independente de ser negro ou não, você toca sensivelmente nos assuntos inerentes à raça humana. Sucesso, Betto. Você merece! Abs!!!
"Nascer, viver, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei." (Allan Kardec) Anilza Forever: Anilza Leoni, minha madrinha, é para mim aquela pessoa que possui o sagrado da alma no coração. Viveu mergulhada no oceano do amor de Deus. Viveu de forma tão intensa, mágica, ética e criativa, que certamente ao desencarnar, levou consigo a força de milhões de aplausos; — e brilha, como toda estrela cadente, nas paragens infinitas do universo. Lembro-me de Anilza me ligando para falar do meu aniversário, com uma semana de antecedência, querendo saber onde iríamos comemorar a tão esperada data. Anilza estava ensaiando a sua próxima peça teatral — "Mário Quintana — O Poeta das Coisas Simples", que ela não chegou a estrear. E sabendo o quanto ela era perfeccionista, o fato de me ligar no meio do ensaio, significou muito para mim. Naquele momento, deixou o rigor do profissionalismo de lado. Naquele momento;...
God Save The Humanity! Em meio a tanto marasmo e falta de perspectiva mundiais, chega o tão esperado dia daqueles que certamente serão, o futuro rei e rainha do País de Gales: O casamento do Duque de Cambridge, o príncipe William Arthur Philip Louis, – Guilherme de Gales, – e da plebeia Catherine Elizabeth Middleton, – na Abadia de Westminster. O mundo parou para ver Sua Alteza Real casar-se com uma jovem predestinada a ser a nova princesa do povo. Desde a morte de Lady Diana em 31 de agosto de 1997, não se via tamanha euforia nos arredores do Palácio de Buckinghan: 29 de abril de 2011 – foi o dia que Londres parou mais uma vez. Lembro-me que ainda ontem assistia pela enésima vez o filme “The Queen” (A Rainha), de Stephen Frears, que deu à veterana Helen Mirren, o Oscar de melhor atriz em 2007. Brilhante interpretação, diga-se de passagem. Helen faz tão bem o papel da rainha Elizabeth II, e fica tão pare...
“ Je suis tr è s d é sol é , mon amour. Mas o meu para í so é a Terra ” . (Betto Barquinn) Ele acordou cedo, fez o sinal da cruz, rezou o Pai Nosso e começou a escrever: Ele acordou cedo, fez o sinal da cruz, rezou o Pai Nosso e começou a escrever: A gente fica tentando descobrir, quem além de Nero botou fogo em Roma, ao invés de procurar o que há de errado dentro de nós. O ser humano costuma colocar chifre em cabeça de cavalo. Tentando dar nome aos bois — perdemos tempo. Whatever... Os ataques nucleares causados pelos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, — promovidos pelos norte-americanos contra o Império do Japão, — mostraram ao mundo que ninguém está imude ao poder implacável da mão do homem. O que nãoquer dizer, que a natureza não devolva o troco, — com juros e correção monetária.“Little Boy” caiu sobre Hiroshima em 6 de agosto de 1945. “Fat Man”, a outra bomba nuclea...
Betto, mais uma vez você me deixa extremamente emocionada. Querido, que texto foda meu! Adorei! Parabéns!
ResponderExcluirCara, você é 10! Maravilhoso, Betto! Maravilhoso!
ResponderExcluirOi Betto! Muito bom este conto. Fico muito orgulhoso em saber que um escritor tão bom como você vive no Brasil. Você é um escritor perfeito! Para todos nós, seu leitores, é um privilégio vir ao seu blog e poder degustar textos tão bem escritos. Gostaria de ver o seu trabalho em outras mídias, como revistas e jornais. Uma coluna sua, certamente será um sucesso em qualquer veículo. A sociedade brasileira precisa ter mais contato com o seu trabalho. Independente de ser negro ou não, você toca sensivelmente nos assuntos inerentes à raça humana. Sucesso, Betto. Você merece! Abs!!!
ResponderExcluirCara, você é o máximo! Parabéns!
ResponderExcluirLindo, Betto! Lindo!
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