SENTIMENTO
Do
outro lado da vida:
Quando eu vivia no planeta
Terra, passando uma temporada em Paris, certa feita perdi-me e fui parar em uma
ruazinha sem saída, e para meu total estarrecimento, dei de encontro com uma
igrejinha barroca linda de viver. Como achei que não estava lá por acaso, logo
eu que não acreditava em destino, entendi que estar ali fazia parte da Obra de
Deus. Movido por algo que considerei ser de força maior, segui até o final da
ruazinha estreita, bati à porta da igreja, e eis que de lá saiu um padre
franciscano que recebeu-me com tanto amor, que tive a certeza de já tê-lo
conhecido em uma outra vida. Ele era um velhinho carcomido por sua biografia cronológica; voz
rouca e quase inaudível, pele muito branca, veias à mostra, um rosto pálido e
desfigurado pelo tempo. Havia um sorriso largo naquele rosto, e uns olhos; que
de tão azuis: apesar de esmaecidos por aquele mesmo tempo que fez daquele homem
uma estátua grega, — pareciam lagoas convidando-me a dar um mergulho
em um copo d’água.
Conversamos por horas, eu
disse-lhe que era do Brasil, e que estava ali de passagem. Calmamente, pois
parecia muito pouco preocupado com o tempo, o padre mostrou-me uma Bíblia muito
antiga; datava do ano 600 d. C, e a medida que foi mostrando-me as partes de
que mais gostava, abria-me um sorriso daqueles que iluminam a casa: de certo
aquele homem era o sol em minha estrada. Depois de haver estado com ele por
umas quatro ou cinco horas, despedi-me, e por uma razão qualquer, senti tantas
saudades daquele novo amigo, que parecia que estava despedindo-me de quem mais
amava. E como não sabia quando voltaria a Paris (até porque só fui parar
naquela ruazinha, que de tão escondida, parecia mais perdida do que eu),
imaginei que jamais o veria. Ele ao despedir-se de mim, abraçou-me e disse:
“Até o nosso próximo encontro, afinal”. Gentilmente usei as mesmas palavras do
padre, mais por educação do que por certeza de que algum dia veria aquele
franciscano novamente.
À noite, após arrumar as
minhas malas, saí para tomar um café perto do hotel, distraí-me ao atravessar
a rua, veio um carro pela contramão e atropelou-me. Fui levado ao hospital, mas
para minha surpresa, sofri dois infartos seguidos: o que culminou em uma falta
de oxigenação no cérebro, devido ao tempo que fiquei inerte, o que acarretou
minha morte cerebral. Foi tudo muito rápido: confesso que da minha morte nada
lembro. O que me recordo muito bem, como se tivesse ocorrido no segundo
antecedente, é que ao acordar aqui do outro lado da vida, o primeiro rosto que
vi foi daquele padre franciscano que havia passado comigo as últimas horas do
meu último dia no planeta Terra. Aí pensei: “Ele tinha razão… o nosso próximo
encontro era convizinho, afinal”. E eu que achava que nada na vida era
adjacente, chegado, imediato, propínquo, seguinte ou semelhante, dei de
encontro comigo mesmo mirando aqueles olhos azuis, que de tão azuis parecem
lagos: no mesmo dia, em um outro lugar, bem distante da Terra.
Quando eu ainda vivia no
planeta Terra, conheci um padre franciscano, que na verdade era o meu anjo da guarda, que
foi me buscar.
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CARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS:
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