O MEU AMOR
Até
que o divórcio nos separe:
Fomos
a um desses restaurantes caros que servem a comida em porções mínimas. O prato
era enorme. Mas só o prato. A comida era de uma escassez de míngua de víveres. Os
talheres eram de prata com cabo bordado em ouro. Chique, se chique é comer
pouco, pagar caro e ficar com fome.
— Casamento é igual à Tarte Tatin. É bom, mas enjoa — disse-me
minha ex mulher, dialogando consigo mesma. — Por
isso prefiro Petit gâteau: enjoa do mesmo jeito, mas na primeira colherada já
sabemos o que nos espera… — completou. — Como bem disse Simone de Beauvoir: “Casamento
é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é
verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por
não ser”. — À vista disso, acho que eu seria mais feliz se fosse lésbica. Mas a
ideia de ter uma mulher me acariciando me deixa em pânico! — exclamou.
Tínhamos ido ao tal restaurante para conversarmos sobre a partilha de bens. Ela, obviamente, queria mais do que eu estava disposto a me desfazer. E eu, evidentemente, queria que ela me deixasse em paz. Palavra que, notoriamente, não fazia parte do seu vocabulário.
Se fosse da minha alçada, eu escolheria um boteco que servisse uma porção generosa de qualquer coisa bem gordurosa (bolinho de bacalhau, pastel de siri, quibe, empadinha, bolinha de queijo, batata-frita, frango à passarinho, essas coisas) e chopp gelado. Mas minha ex, que morou grande parte da vida em Paris antes de nos conhecermos, não entende meus arroubos tupiniquins. Para ela, ou o restaurante é francês ou nada feito. — Boteco é para os fracos! — ela diz.
Se fosse da minha alçada, eu escolheria um boteco que servisse uma porção generosa de qualquer coisa bem gordurosa (bolinho de bacalhau, pastel de siri, quibe, empadinha, bolinha de queijo, batata-frita, frango à passarinho, essas coisas) e chopp gelado. Mas minha ex, que morou grande parte da vida em Paris antes de nos conhecermos, não entende meus arroubos tupiniquins. Para ela, ou o restaurante é francês ou nada feito. — Boteco é para os fracos! — ela diz.
Depois de muito conversarmos sobre culinária francesa, ela
contou-me que aquele restaurante onde estávamos, era a filial de um outro que
fora inaugurado na França no ano da graça de 1730. — Tradicionalíssimo, segue o
mesmo cardápio servido no Palácio de Versalhes. Afirmam os historiadores
franceses, que foi o próprio Luís XV que criou o menu — disse-me. Eu ouvia por educação (ou melhor, ouvia porque não sou surdo), mas confesso que estava
achando aquilo muito chato. Para piorar, quanto mais eu comia, mais fome sentia.
Preferia ter ido a qualquer boteco do Leblon à pagar uma fortuna por meia
porção de vento. Para espantar a fome,
pedi um vinho. Não se serve cerveja (ou chopp) em um lugar como aquele. O
garçom sugeriu que tomássemos uma garrafa do vinho português ‘Casal da Coelheria Rosé’, que
segundo ele, é o melhor do mundo. — Este rosé recebeu o “Best Wine Trophy”; o Oscar
dos vinhos, no Concurso Mundial de Bruxelas, na Bélgica. Recebeu também a “Grande
Medaille d’Or”: é o néctar dos deuses, acreditem! — confidenciou-nos. Acreditamos.
O vinho é maravilhoso, de fato. O garçom tinha razão. Só não entendi o porquê de
ir a um restaurante francês e tomar vinho português. Mas já que era “chique”, e
eu continuava com fome, o melhor a fazer era ficar borracho.
Jantamos em silêncio, embora estivéssemos ali para conversarmos.
Minha ex pediu de entrada sopa de cebola. Prato principal, Coq au vin. Sobremesa, torta de damascos. Eu pedi ameixas frívolas de entrada, Magred de pato ao
perfume de mel e especiarias como prato principal, e Crêpe Suzette de sobremesa.
O rapaz da mesa ao lado pediu Pissaladière de entrada, ensopado de vitela à
provençal (prato principal), acompanhado de batatas com alecrim e alho, e torta
de limão para a sobremesa. A moça da mesa atrás da nossa, pediu salada Waldorf,
rosbife com molho tártaro, e brownie com calda de frutas vermelhas. O
restaurante era tão silencioso, e todo mundo ali tão cheio de etiqueta, que dava
para ouvir o que se falava na cozinha. Antes de pedirmos a conta, minha ex voltou a tal história de “casamento é igual à Tarte Tatin. É bom, mas enjoa”. Não
entendi onde cabia esse pensamento descabido. Mas estávamos ébrios… qualquer assunto servia
para quebrar o silêncio. Nós temulentos… e eu falido. O jantar custou-me os olhos da cara! Quando
deixei minha ex em casa, no instante
em que nos despedíamos, ao falarmos qualquer coisa sobre casamento, tive o mesmo
pensamento que ela: “Por isso prefiro Petit gâteau: enjoa do mesmo jeito, mas
na primeira colherada já sabemos o que nos espera…” — verbalizei. “Por esse motivo estamos nos divorciando”, — concluí.
Chupa Simone de Beauvoir!
O MEU AMOR™ © copyright by Carlos Alberto Pereira dos Santos 2013
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY CARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS
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