SON OF A PREACHER MAN


“To be, or not to be, that is the question”:

Ela havia deixado-se de lado. Abandonado. Casara muito jovem, por incrível que pareça ainda virgem, e como alguns de nós, subira ao altar sabendo quase nada de si. Viver é um jogo de tentativa e erro. Acerta-se muito. Erra-se bastante. Até equalizar o ritmo leva algum tempo. Assim é o compasso da nossa caminhada… E com ela não foi diferente. Quando terminou o Ensino Médio deixou de lado o desejo de ser médica e embarcou no sonho da vida a dois. O marido, que a pouco era namorado e noivo, agora dividia com ela as vicissitudes do ‘lar, doce lar’. Ambos tinham dezenove anos quando decidiram formar uma família. A partir daí encarceram-se em si mesmos, na tentativa de viver algo maior. A vida a dois é aquela onde duas pessoas totalmente diferentes, vindas de criações dissemelhantes, saídas de famílias ímpares como são todas as nossas; colocam-se à mercê uma da outra, no afã de seguirem juntas na estrada da vida. Passado alguns anos, alguns descobrem que pegaram o atalho errado. É o preço que se paga pelo livre-arbítrio. Donde se conclui que Deus não dá nada de graça. Tudo que conseguimos de bom ou ruim é por merecimento. Temos que trabalhar para isso. Aí sim recebemos o soldo do nosso ganha pão. Se é muito ou pouco, depende de nós. Foi assim que aconteceu com ela. E com eles. E certamente é o que acontece com a maioria de nós.

Depois de vinte anos de casada, ela se deu conta que havia deixado-se de lado. Abandonado. Os filhos estavam criados: o mais velho cursava odontologia, o do meio acabara de ingressar em ciência da computação, e o caçula dava os primeiros passos rumo a si mesmo. Quatro homens, contando com o marido, para ela cuidar. O marido era, como quase todos os homens, movido por sentimentos imediatistas. Não funcionava a longo prazo. Se tivesse comida na mesa, cerveja na geladeira, futebol na TV e ‘amorzinho gostoso’ pelo menos uma vez por semana, para ele tudo bem. Era um homem bom, culto, trabalhador, cumpridor dos seus deveres, temente a Deus. Um tanto vidrado no próprio falo, como são quase todos os homens, mas capaz de afastar-se por alguns segundos do dito cujo, e enxergar que há um mundo a sua volta. Como nada é perfeito, e romances fantasiosos só existem nos folhetins, ele era o marido ideal para nove entre dez esposas. Era cordial, nada violento, um pouco teimoso como são quase todos os homens, romântico até a página cinco; mas derretia-se todo com lágrimas e sorrisos vindos do âmago da mulher amada. Até onde eu sei, não era adepto das “puladas de cerca”. Parece que houve um momento, lá pelo quarto ou quinto ano de casamento, que tivera um experiência extra-conjugal. Mas fora tão discreto, que ela nunca soube desse deslize. É óbvio que olhava as moças na rua, prestava atenção no rebolado de algumas incautas, consumia pornografia escondido, mas era algo tão ingênuo; quase uma traquinagem de menino, que não causava mal a ninguém. Os filhos foram criados sob princípios éticos: eram bondosos e cordiais sem serem afetados ou fanáticos. Naquela casa todos tinham o seu jeito particular de ver a vida, mas entendiam que o espaço do outro; por ser do outro, tinha que ser respeitado. Ou seja, eram felizes até onde o olho vê e a mão alcança.

Sendo assim, o que incomodava tanto aquela mulher? Difícil de dizer, porque o sentimento é dela, e não meu. Mas até onde dava para enxergar, entendi que depois de anos e anos dedicando-se aos homens de sua vida, ela percebeu que fora deixada de lado. Não por eles, que eram praticamente uns bobos. Mas por si mesma. O sexo com o marido era um tanto sem tempero. Parecia comida de hospital. Insosso que só… Houve um tempo em que transavam diariamente. Quando os meninos eram pequenos era um entra e sai de dar inveja ao mais exímio praticante do “Kama Sutra”. Com o correr dos anos, passou a ser feijão com arroz. Ultimamente, para ter um orgasmo, precisava de uma taça de champanhe. Sem que se desse conta, via-se aos domingos de perna aberta, dividindo a atenção do marido com o futebol. O casal não fazia sexo por obrigação, porque se amava: além disso sentiam desejo um pelo outro. Mas era como se tivessem virado irmãos ou algo assim. A verdade é que estavam acostumados com a presença do outro. Nada mais era novidade. Ele não explorava o corpo dela como fazia no início do casamento. As preliminares eram quase inexistentes. Era um correr de mãos aqui, um beijinho ali, e “partiam para o abraço”. Não namoravam mais: essa é que é a verdade. Coisas simples como andar de mãos dadas na rua, piquenique no parque, queijos e vinhos, escrever bilhetinhos apaixonados, fim de semana na praia ou na serra, conversar sobre banalidades, ler juntos, escutar boa música, fazer juras de amor eterno: dividir, trocar. Nada disso acontecia. Tudo fora engolido pela correria do dia a dia. E agora que os filhos estavam criados, a solidão e o sentimento de abandono, instalaram-se no peito daquela mulher. 

Ela desejava que o marido chegasse em seu ouvido e dissesse: “Esse cara sou eu”. Mas ele não era sensível como o Roberto Carlos. Não, não. Alguns homens não são tão bons assim… Não por maldade ou por má vontade: apenas não o são. Enfim… ela desejava ter estudado medicina, mas achava que a essa altura da vida; beirando à meia idade, era tarde demais. Não se dera conta que a vida começa aos quarenta… Seguira os mesmos passos da mãe e da avó: arrumar marido, casar, cuidar da casa, ter filhos. Dedicação total ou os seus sonhos de volta! Fora ficando vazia como uma bexiga de aniversário. Hoje os cabelos brancos a incomodavam, os quilinhos à mais a irritavam, a ideia de chegar à menopausa deixava-a em pânico, e as celulites então, nem se fala… Havia os pés de galinha, as estrias, o papinho no queixo, as bolsas debaixo dos olhos. Por ser ainda jovem, aquilo que ela chamava de “defeito de fabricação” era quase imperceptível. Mas para quem parecia ter sido tomado por um crise de infelicidade, envelhecer passara a ser um suplício. Com a virada do ano (estávamos em dois de janeiro), ela decidiu que iria fazer alguma coisa por si mesma. Iria mudar a cor do cabelo, se matricular em uma academia, fazer um tratamento estético, voltar a estudar e clarear os dentes. Decidiu também que faria mais sexo. Uma nova mulher nascia dentro dela e desta vez não deixaria a felicidade escapar.      
              



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