AS AVENTURAS DE BOTO BAILARINO
Boto Bailarino era um menino como outro qualquer. A diferença é que ele era de pelúcia. Foi comprado numa loja de souvenirs na Patagônia Argentina. E com seu sotaque castelhano, possuía um charme a mais, – que os outros garotos não tinham. Precose por natureza, ainda nem tinha saído da caixa, quando viera morar no Brasil. Como era um brinquedo importado, tinha passaporte diplomático desde a tenra infância. Por conta disso, falava fluentemente o inglês, o francês, o alemão, o russo, o japonês, o mandarim e o italiano. Além do espanhol, que era a sua língua materna. Só tinha alguma dificuldade quando o assunto era em português, o único idioma que ele sempre tropeçava. Dizia que era porque o português têm palavras muito parecidas com o espanhol, mas com significados totalmente opostos. Por isso nunca sabia que língua estava falando. Então de “portunhol” em “portunhol”, Boto Bailarino escorregava aqui e ali, mas fazia-se entender com uma facilidade fascinante. Afinal, quem iria prestar atenção nos erros de português de um boto cor-de-rosa, se ele era a coisa mais linda desse mundo? Ainda mais porque além de lindo, ele dançava tango tão bem, que parecia ter crescido em Buenos Aires. Embora fosse exímio bailarino, o que ele fazia bem mesmo era jogar futebol. Como era um argentino que vivia no Brasil a muitos anos, apaixonara-se pelo futebol de Pelé. E quando perguntavam-no sobre Maradona, ele dizia: 'Maradona para mim é apenas uma fumaça dissipando-se no alvorecer. O Rei do Futebol é Pelé!'. Dito isto, sumia no palco com sua bola e só voltava uns dez anos depois. Mas não sem antes cantalorar: “The winner takes it all”.
Boto Bailarino fazia parte de uma trupe de teatro de marionetes. Fora comprado por Dom Casmurro, o dono do circo. Viajara o mundo todo, apresentando-se em 1710 no Château de Versailles, – para nada mais nada menos que Luiz XIV, recebendo das próprias mãos do “Rei-Sol”, os títulos de: Rei de França e de Navarra, Co-príncipe de Andorra, Conde da Provença, Conde de Valentinois, Conde de Diois, Conde de Barcelona, Conde de Cerdagne, Conde de Rousillon, Conde de Forcalquier e das ilhas adjacentes e Dauphin do Viennois. Por isso falava tantos idiomas: Boto Bailarino era um boneco real. Dom Casmurro, seu tutor, acreditava que para encantar o público, o artista tinha que tocar a alma desse público. E a melhor forma de chegar com facilidade a essa alma, era falar o maior número de idiomas possível. 'A palavra tem poder, Bailarino' – dizia Dom Casmurro. 'Portanto, use o seu dom para o bem!' – completava. Todos os bonecos de sua Companhia estudavam letras, psicologia, química, história, artes cênicas, educação física, geografia, filosofia, música, linguística, robótica, cinema, sociologia, matemática, antropologia, ciências políticas, tecnologia da informação, biologia, comunicação social, geologia, física, teologia e mecânica. Enfim, nenhum boneco sabia menos que qualquer intelectual renomado. Ali haviam escritores, artistas plásticos, atores, médicos, engenheiros, astrônomos, cantores, gastrônomos, arquitetos, pensadores. Com tanto estudo, cada boneco valia uma fortuna, calculada a peso de ouro. Mas eram tão amados e tão bem cuidados por Dom Casmurro, que como ele mesmo dizia, ipsis litteris: 'O artista não tem preço. Por isso vale tanto. Não há nada que pague o talento de alguém. O que podemos fazer é calcular seu cachê, estipular normas e contratos, administrar a carreira daqueles que fazem da arte o seu ganha pão. O resto, deixamos por conta do Criador. Só Ele sabe quanto vale cada um de nós'. Dom Casmurro era um homem cheio de sabedoria. E era de se esperar que Boto Bailarino fosse esse doce de menino. Porque só alguém criado por um homem sábio e temente a Deus, poderia crescer numa família perfeita. Mas quando falo da sabedoria de Dom Casnurro, não estou falando das coisas que ele aprendeu nos livros. Estou falando daquela sabedoria que só se aprende vivendo. Aquela sabedoria que ensina que o objetivo da vida é o amadurecimento da alma. Aquela sabedoria que muito poucos entendem, porque para compreendê-la, é preciso antes aprender a ser gente. E como esse dom é dado somente àqueles que são puros de coração, poucos compreendem. Dom Casmurro sabia que o amor é o único sentimento que não envelhece. Por isso educava seus bonecos como se eles fossem seus filhos. E ao invés de ficar reclamando da vida, chorando por tudo que jamais tivera, trocava o sofrimento por amor. Porque sabia que um sentimento assim, só podia ser coisa de Deus. Presenteara o mundo com bonecos fortes, saudáveis, cultos, talentosos, solidários e felizes. Bonecos capazes de emocionarem platéias do mundo todo. Realmente, um homem assim, só podia ser coisa de Deus.
Na Companhia de Dom Casmurro, Boto Bailarino conheceu a Pirâmide de Quéops, os Jardins suspensos da Babilônia, a Estátua de Zeus em Olímpia, o Templo de Ártemis em Éfeso, o Mausoléu de Halicarnasso, o Colosso de Rodes e o Farol de Alexandria. Não satisfeito, ainda apresentou-se na Muralha da China, em Petra, no Cristo Redentor, em Machu Picchu, em Chichén Itzá, no Coliseu e no Taj Mahal. Boto dera a volta ao mundo em oitenta dias tantas vezes, que parecia-lhe que o mundo cabia na palma de suas mãos. A vida para ele era mesmo um Mar de Almirante... Mundo à fora, o público ia ao delírio, ao ver aquele boneco de pelúcia fazer tanta estripulia, com uma bola nos pés. Por isso ganhara o apelido de “Bailarino”. Jogava futebol com tanta elegância que parecia bailar acima da bola. Plainava no ar com a leveza de uma folha de papel. E já que fazer gols era uma constante em sua vida, – o futebol virava balé e o balé virava ópera. Porque Boto Bailarino era arte em movimento. O “último oásis do deserto” era quando no final do espetáculo, ele surgia no proscênio com uma bola nos pés, ao som de “El Dia que me Quieras”. Certamente, até Carlos Gardel se ali estivesse, emocionaria-se. O próximo ato era o próprio ato em si: Lágrimas, aplausos, sorrisos, despedidas, mais aplausos, mais lágrimas, mais sorrisos e mais há Deus. Adeus!
O tempo passou e Boto Bailarino aprendeu a falar fluentemente o português. Aprendeu a amar sem sentir-se culpado. Aprendeu a doar sem sentir remorso. Aprendeu a viver sem negar o passado. Aprendeu tantas coisas que quando estava bem velhinho, ainda lembrava-se que fora um menino tão esperto, que dera a volta ao mundo muitas vezes. Lembrava-se da loja de souvenirs na Patagônia onde fora comprado, das amizades que fizera na trupe de teatro de marionetes de Dom Casmurro, e dos dias às vezes cinza, noutras coloridos, que o acompanharam desde a infância. E lembrava-se da vida, que aos poucos distanciava-se dele, convidando-o para sua nova morada no céu. Naquele dia contava cinco mil anos de história. Minutos antes de partir para a maior viagem de sua vida, Boto Bailarino, que mais parecia um farrapinho de gente, ou melhor, um trapinho de pelúcia, – arfou um último pensamento sobre a vida: 'Não há luz do sol quando ela vai embora. Por isso a vida aqui jaz, agora'. E antes de dobrar a esquina, pensou: 'Quem ama, compreende. E quem compreende, perdoa'. Um minuto depois partiu, seguro e feliz, para nunca mais voltar. Foi para o Céu dos Bonecos de Pelúcia, onde até os anjos são feitos de tecido de lã, seda, algodão, com felpa de um lado. Partiu sim, mas não sem antes cantar: “Ain't no sunshine when she´s Gone”.
Essas foram “As Aventuras de Boto Bailarino”.
® AS AVENTURAS DE BOTO BAILARINO ™ © by betto barquinn 2011
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
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Agora entendo porque todo mundo ama os seus textos: Eles são ótimos! Betto Barquinn é igual Mastercard: Não tem preço! I love you, man! Beijos!
ResponderExcluirVocê escreve divinamente, Betto! Adorei! Bjs!
ResponderExcluirCara, você escreve muito bem, véio! Parabéns!
ResponderExcluirLegal ler algo tão interessante. Sempre venho ao seu blog em busca de um texto que torne o meu dia mais feliz. Sempre encontro felicidade aqui. Esse seu “As Aventuras de Boto Bailarino” é muito bom. Sucesso, brother. Sucesso!
ResponderExcluirGosto muito dessa sua ideia de incorporar vídeos de música aos seus textos. Isso faz com que o leitor mergulhe na sua história e ainda deguste notas musicais. Os seus textos são tão bons Betto, que dá para sentir o cheiro, o sabor e as nuances de cada personagem. Meus parabéns, amigo. Felicidades!
ResponderExcluirTudo que você escreve é sempre formidável. Muito bom, amigo! Abs!
ResponderExcluirVery good!
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