COMO FLORES DE PLÁSTICO, PINGUIM DE GELADEIRA, URSOS POLARES OU ALGO PARECIDO
Se eu tivesse que fazer a biografia da minha vida, certamente ia me perder falando como era bom contar carneirinhos, quando rezava e não conseguia dormir. Embora jamais os tenha contado. Mas quando falo de mim, falo de sentimentos alheios – como flores de plástico, pinguim de geladeira, ursos polares ou algo parecido.
Cresci abrindo os meus caminhos. Acreditando nas minhas verdades. E apostando de olhos fechados – nas minhas mentiras sinceras. Querendo ser célebre e absolutamente desconhecido. Poder ser vários "eus" – e continuar sendo eu mesmo. Livre para me permitir não ser ninguém mais do que alguém perdido no tempo. Um velho vampiro a procura do passado. Apaixonado pela noite. Mas sem forças para abandonar o fogo e ser mais um na escuridão. Indo aos Cafés. Desfilando entre os mortais, como se no tocante do ato falho, tornar-me-ia – humano. Digo não, com mais facilidade do que digo sim. Chamaram-me de bizarro. E sorri com orgulho. Não me ferem com facilidade... Diziam que eu era bom demais – para ser santo. Um comentário triste, que me fazia chorar. Sentia-me puro demais. Beatificado – como um santo que odeia ser santo. E anseia conhecer o mundo, com toda a sua sujeira e insensatez. Mergulhar sem titubiar nas calçadas da vida. Entregar-se de braços abertos a paixão. Um santo que ama a liberdade. E através dos seus sentimentos – faz milagres no coração de uma pecadora.
Rio das minhas piadas. Quebro a casa, furioso, com os problemas que crio. E tudo faz-se presente: Peixes coloridos no aquário, vovô com seu sorriso imaculado – fumando seus cubanos na sala. E um inferno astral rondando a mente dos nossos vizinhos. Tolos vizinhos. Fui dormir mais tarde, tentando descobrir porquê não saí da casa dos meus pais a muito tempo. Envelheci com eles. Envelhecemos nós. Envelheçamos todos: Nós. Não somos modelos de nada. E nem sabemos quem somos realmente, até olharmos no espelho e darmos de cara com mais um além de nós. Somos todos um fiasco. Ilários em verso e prosa. E cruéis por definição. Estamos juntos. Talvez nos amemos, porque não viveríamos sem tudo que conhecemos. Somos apegados à matéria humana desde a criação do universo. Nosso espírito era feliz e não sabia. Agora é tarde. Brindamos à frente da Santa Ceia de massa podre, e comemoramos em silêncio no almoço sagrado aos domingos. Nessas ocasiões, olho para cada um à mesa, e mesmo assim, agradeço a Deus por ser um deles. Deve ser força do hábito católico-judaico-capitalista-ocidental-burguês. Daí apagamos as velas, fechamos a porta, acendemos a luz. Tudo a sua hora. Nada a sua vez. E continuamos felizes, a fingir que somos personagens de algum filme desconhecido dirigido por Fellini. Se é que a Fellini pode se chamar de "homem de obras desconhecidas". Tudo pura ilusão. E nada além disso.
Pedes-me à bênção. E mais uma vez digo-te: Que Deus te abençoe. Feche os olhos e durma logo. Se não conseguir sonhar ao deitar-se – conte carneirinhos. Mas não os conte a noite toda. Porque vais deixar o pastor acordado. E se ele não dorme direito, passa o dia com sono. Com preguiça de comandar seu rebanho. E se eles, os carneirinhos, não pastam – ficam com fome. Famintos não crescerão saudáveis. E o pastor não poderá tosquiá-los. Faltando lã no inverno. Portanto conte até cem carneirinhos por noite. Sinta-os pular à cêrca de seus sonhos até pegares no sono. Um dia lindo e ensolarado te aguarda amanhã. E se chover, não se assuste. A vida será linda assim mesmo. Porque sonhos são para serem sonhados. E gente grande também sonha como criança. Então vou correndo para o meu quarto, escorregar para debaixo das cobertas, contar dois ou três carneirinhos, e dormir. The Waltons.
– Boa noite, John-Boy!
– Boa noite, Mary Hellen!
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Maravilhoso, Betto! Muito lindo! Beijossssss!
ResponderExcluirDiego Borges disse:
ResponderExcluirDifícil é achar onde comenta. Adorei o texto. ;P