W.O.M.A.N.
Quando
a vida diz sim:
Eram nove horas da manhã e ela separava as roupas para a diarista
passar. O marido já havia saído para o trabalho. Os filhos estavam na escola.
Ela era uma dona de casa comum. Embora nenhuma dona de casa seja comum, pois
possui um universo dentro de si, e este é povoado de gente. Pouco tempo depois
a diarista chegou. Pediu desculpas pelo atraso. Havia ficado presa no trânsito
por conta da greve de ônibus. Foram três conduções, meia hora de caminhada, e
finalmente havia chegado ao seu destino. Às vezes viver é um esforço hercúleo.
A pessoa corre o dia inteiro e tem a impressão de não ter feito nada. Mas enfim,
chegara. As duas conversaram um pouco, tomaram uma xícara de café na copa,
colocaram o papo em dia. O assunto como sempre era marido e filhos. A diarista
tinha dois. A dona de casa também. Filhos, eu digo. Marido cada uma tinha o
seu: e era só um.
Enquanto a diarista passava as roupas, a dona de casa arrumava a
casa. A esta altura da vida, beirando os quarenta anos, as ilusões banais já
não mais povoavam a sua biografia. O que queria agora era sombra e água fresca.
Paz e sossego. Os filhos já estavam criados. O mais velho acabara de passar no
vestibular. O mais novo caminhava a passos largos, embora ainda usasse calças
curtas. Era uma vida feliz a vida daquela mulher. Não havia sobressaltos. Tinha
um problema aqui e outro ali, mas nada que um pouco de fé não ajudasse a
resolver. “Problemas, quem não os
tem?” — pensava. “É natural”. Então vivia-os com a certeza de que um
dia eles iriam embora: à espera da bonança; aquela que viria depois da
tempestade.
A diarista era um doce de pessoa. Alegre, prestativa, otimista, de
bem consigo mesma. Tinha uma vida simples, difícil, mas tirava de letra, porque
acreditava que o melhor é viver o presente. “Se o amanhã for bom, tudo bem. Se
não for, a gente vê o que faz” — dizia. Era uma mulher ao alcance das mãos, daquelas que cuidam da gente quando a gente precisa. Trabalhava cada
dia em uma casa. Nesta adorava estar. A patroa era tranquila, não exigia muito,
trabalhava enquanto ela trabalhava, ajudando a adiantar o serviço. As duas se
davam bem. Ambas sabiam que a vida é idêntica a um fio d’água. Corre tranquila,
escorrega pelo leito do rio, depois deságua no mar. Elas sabiam conjugar o
verbo amar do jeito que eu nunca vi. Era um amor profundo, leve, espiritual. Maternal.
Já dissemos que a dona de casa não tinha grandes ilusões na vida.
Queria que o marido tivesse saúde e emprego e que os filhos fossem homens de
bem. O mesmo se dava com a diarista. Desejava aquilo que a vida estava disposta a lhe dar:
nem um centavo a mais. Por isso tinha tudo que sonhara. Filhos saudáveis, marido
trabalhador, uma casa cercada de amor, e um cachorro vira-lata para acompanhá-la nos momentos em que a presença de um animal doméstico, indica que para quem sabe amar, em nenhum lugar há solidão. Aquele cão era a confirmação de que, acontecesse
o que acontecesse, o amor jamais a abandonaria. Na pior das hipóteses, haveria um
cachorro ao seu lado, dando aquele carinho; que por ser da natureza do espírito, não tem preço.
Isso sim é amor verdadeiro: o afeto do melhor amigo do homem. E da mulher.
Aquele dia foi especial. Cumpriram o quefazer doméstico tão
lentamente, que abstraídas em si, nem viram o tempo correr. No final da tarde
era roupa passada, casa perfumada, comida na mesa, tudo perfeito. Paradas à
porta; despediram-se, sorriram uma para a outra, e combinaram o serviço
da próxima semana. A diarista partiu, o marido e os filhos chegaram, anoiteceu,
e a vida naquela casa continuou como sempre foi: feliz.
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