INVISÍVEL
“O
essencial é invisível aos olhos”:
Quando a gente é criança um dos
muitos sonhos que tem é ser invisível. Quem nunca sonhou na primeira infância
em passar desapercebido, ficar escondido em um canto ouvindo a conversa dos
adultos, em ser aquela “mosquinha” pousada no canto da sala, só para saber dos
segredos do mundo? Eu sonhei muito com isso. Lembro-me das minhas tias falando
a ‘língua do P’ para disfarçar algum assunto que criança não podia ouvir. Quase
sempre era sobre a tia que não estava presente, que tinha um marido infiel, e
sofria tanto, que era digna de pena. E o colóquio virava a noite e dobrava o
quarteirão. É lógico que eu decorara letra por letra a tal língua secreta e
entendia tudo que elas diziam. Depois passava o resto da semana ruminando
aquela enxurrada de informações; mais perdido que cego em tiroteio. Naquela
época o meu passatempo era ver sem ser visto. Coisa de criança: a descoberta do
mundo.
Mas quando a gente cresce, o
que adulto detesta é desinteresse. Fiz um teste a uma hora atrás e fiquei
perplexo ao perceber como é fácil sumir do mapa. Simplesmente encostei-me por um tempo em um poste, e por incrível que pareça, muita gente passou por mim e não me viu. Claro que me senti péssimo. Isso mesmo. Em adulto, ficar invisível é horrível.
Para chegar a tal conclusão, comecei a prestar atenção naquilo que pela
correria do dia a dia, a gente sabe que existe, mas não tem tempo de observar.
É o caso de um mendigo parado na esquina de uma rua. As pessoas atravessam,
esbarram nele, passam ao lado, passam por cima, olham através dele e vão embora. Quem é o mendigo?
Qual é o seu nome? Por que ele está ali e não em casa? Por que não trabalha? Por
que não estuda? Por que pede esmola? É casado? Tem filhos? Tem pai? Tem mãe? O
que fez com que ele fosse parar na rua? É só pedinte (o que já seria triste) ou
é morador de rua; daqueles que ficam ali noite e dia? Respostas não me faltam,
mas não dá para responder, porque as perguntas se multiplicam. O ser humano corre porque tem medo ou tem medo porque corre? Silêncio. É a síndrome da caverna. Acontece que a
gente tem medo do feio, do reprovável, da pobreza, do abandono. A gente tem
medo porque receia que aconteça com a gente. A gente quer ajudar, mas as pernas
travam. A gente quer dizer alguma coisa, mas a voz embarga. A gente estica o braço, mas a mão não abre. A gente quer
chorar, mas não chora. Aí a gente sai correndo, porque por mais que as pernas
travem, a gente quer sair dali. E já que não dá para caminhar, a gente corre! Paradoxal, sim senhor. Viver é um paradoxo. Coisa de adulto. Criança não tem isso. Criança ficaria ali e ofereceria um pirulito ao mendigo. Se a mãe deixasse, é claro. Mas a mãe, que é adulto, tem
medo. Por isso, quando a criança se dá conta, a mãe já está do outro lado da
rua, dizendo: “Corre, filho!”.
Este é o mundo em que vivemos.
Quando a gente é criança ser invisível é ótimo. Mas quando a gente cresce,
fica tão carente, que quando não tem amigos, ou com quem conversar, ou até quem
amar, a gente corre para o divã do psicanalista e inconscientemente implora:
“Afasta de mim esse cálice”.
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