ACORDA, AlICE!
Ela arrancou-me os textículos com a boca,
dizendo que fazia isso para o meu próprio bem. Raivosa, falou-me meia dúzia de
desaforos, e saiu atropelando os carros, como quem fosse levar o pai à forca. E
eu que sempre fui capaz de dizer coisas impublicáveis, permaneci caído ao chão,
esperando o sangue estancar. Morto o velho homem, chegara o momento de deixar o
novo homem nascer. E assim, aconteceu. Todavia, ao ver os meus textículos ali,
dilacerados, tive medo de nunca mais fazer poesia. Porque Alice arrancara a
minha alegria, com o sorriso entre os dente. Alice sempre dissera que eu falava
coisas que ninguém queria ouvir. Afirmava que eu vivia num mundo cor de rosa,
achando que todo mundo era bom. E quem é incapaz de ver o defeito dos outros,
acaba caindo nas maiores ciladas. 'O mundo é mau, Juvenal! – dizia.
'Agindo assim, vão lhe expremer até a última gota, feito uma laranja velha, e
quando não restar suco algum, você vai parar na lixeira junto com a casca. Se
eu aceitar viver com um homem fraco, um dia vou acordar e perceber que só
sobrou para mim, o bagaço da laranja. Não quero ser casada com um fruto comestível da laranjeira, de forma
esférica, casca dura e polpa dividida em secções, rodeadas por uma película
fina. Seja homem Juvenal!
Droga! Você é um homem ou é um rato?! Não responda... Seja
lá o que for, você me dá pena, querido! Os seus textos são tão pueris, porque
refletem a inocência da sua alma desatualizada. Inocente inútil! É isso que
você é, Juvenal. Ao invés de escrever sobre fé, esperança e caridade, por que você não
dá ênfase à bombas nucleares, suicídio, dor, edonismo, atentados terroristas,
infidelidade, traição, preconceito, ódio, medo, guerra, pornografia, bullying,
aborto ou desolação? Vê se aprende a enriquecer num piscar de olhos, Juvenal?
Escreve qualquer porcaria, coloca um título bonitinho, diz para todo mundo que
é um livro de auto-ajuda, sei lá... Mente, Juvenal! Se não for auto-ajuda para
os outros, será auto-ajuda para você, meu amor. Com dinheiro no bolso tudo fica
mais fácil, querido. E uma vez rico, aliás, milionário, você volta a escrever
textos idiotas com mensagens edificantes... Mente Juvenal! Todo mundo hoje
compra de tudo porque o ser humano é vendido a preço de banana. Mente! Uma
mentirinha aqui e outra ali e voilà: Olha o dinheirinho entrando na caixa
registradora! Já posso calcular a fortuna que vamos ganhar... Por isso, eu lhe
imploro, meu amor... Mente Juvenal! Mamãe sempre diz que quem não é capaz de
mentir, nasceu para ser enganado. Tem tanto escritor por aí fazendo fortuna
ensinando como ficar rico da noite para o dia, decifrando os segredos da
prosperidade, afirmando que sabe tudo sobre dinheiro e sucesso profissional,
insinuando que sabe como encontrar a alma gêmea e toda espécie de
picaretagem... E você aí, cada vez mais pobre, pregando a paz e o amor entre os
homens... Larga mão de ser besta, Juvenal! As pessoas só pensam em dinheiro,
querido. Ninguém se importa se alguém passa fome na Etiópia, a quantas anda a
mortalidade infantil em Zimbabwe, se a Amazônia é desmatada covardemente, se o
mico-leão-dourado está em vias de extinção, quem são as vítimas da violência
urbana, como acabar com o preconceito no mundo, como ajudar as minorias, se o
vizinho está morrendo de câncer, se um vira-lata morreu atropelado, se um
doente terminal precisa de uma palavra de carinho, se os mais velhos precisam
de um pouco de afeto, como ajudar os viciados em crack, muito menos qual será o
futuro do filho dos outros. Todo mundo só quer saber o que Maria leva, Juvenal!
Se tem cerveja e futebol, está tudo certo! É só providenciar a carne, aquecer a
churrasqueira, que o velório vira festa! E se sobrar algum trocado, basta
subornar a viúva, que ela vende o caixão com o defunto dentro. Aí é só
alegria... A gente joga o morto fora e dança até o sol raiar! A vida é assim
Juvenal... Se alguém tem algo a oferecer, é amado e respeitado por todos. Pode
ser traficante, assassino, político corrupto, sonegador de impostos,
estuprador... Não importa. Mas se o sujeito é pobre, honesto, assalariado, feio,
esfarrapento, analfabeto, capenga ou tem a pele escura, – todos viram às costas
para ele. Por isso detesto aquele tipo de gente demagoga, que insiste em fazer
caridade com o chapéu dos outros. Gente assim, não tira de mim um centavo.
Porque o lixo humano não precisa do dinheiro de quem vive de esmola. São um
bando de urubus disfarçados de anjinho barroco... Lobos em pele de cordeiro...
Ninguém está disposto a salvar as baleias, reciciclar o lixo, economizar água,
parar de poluir o planeta ou fazer do mundo um lugar melhor, Juvenal. As
pessoas vivem e morrem pensando em si mesmas. Egoístas até o pó do osso. O
individualismo está na moda, amado! Quem você pensa que é para mudar a cabeça
dos materialistas? Quem é você, Juvenal?! Porque você não é igual a todo mundo?Você vive dizendo que ser diferente é normal, mas você é diferente demais, Juvenal!Você só pode ter um
parafuso a menos... Sendo idiota assim, o máximo que você vai conseguir é virar uma piada
nacional... Se não for apedrejado na porta de casa, antes mesmo de tentar abrir
a boca. Porque tenho certeza que esse “deus” que você tanto ama, não sabe nem
que você existe... Por isso, mente Juvenal! Diz que você tem sonhos para
vender, que os consumistas compram, querido! Para de dizer que o mundo é bom,
meu amor! O ser humano é egoísta, desnecessário, rancoroso, malediscente,
descartável, invejoso, pegajoso e seco como um saco de extrume de vaca. Hoje em
dia ninguém se importa com nada, Juvenal. Porque todo mundo tem mais o que
fazer! Ninguém quer perder tempo com perdedores, amor. Então para de querer
bancar a Madre Teresa de Calcutá! Desapega da irmã Dulce, querido! Abandona
esse corpo que não te pertence, amado! Joga fora o Gandhi que existe dentro de
você, coração! Vê se aprende a enxergar a vida como ela é, meu amor. O
raciocínio é simples, entretanto para você que insiste em complicar, dois mais
dois pode ser quatro, mas também pode ser cinco ou seis. Por favor, Juvenal...
Afasta de mim esse cálice! Afaste-se e cale-se! Sei que falando assim, lhe
deixo constrangido, mas agora que comecei, vou até o fim. Por isso eu lhe
pergunto: Quantos amigos você tem, Juvenal? Quem além de mim elogia seus
textículos? Quem, hein? Quem?! Essa é uma pergunta retórica... Não precisa
responder. Eu sou pacóvia mesmo... Fico aqui passando a mão na sua cabeça,
apalpando seus sentimentos, afagando seus devaneios, apoiando seus desvarios, –
enquanto o mundo gira, a lusitana roda e nada acontece. Você prometeu-me o
Pulitzer. Prometeu-me o Jabuti. Mas não conseguiu escrever um texto que preste.
E agora vem com essa marmota que um dia chegará à ABL... Só se for à Academia
Brasileira de Loucos! Sim, Juvenal... Você me dá pena. E se é verdade o que
dizem por aí, “que quem tem pena é galinha”, eu devo ser mesmo uma ave criada
para a produção de carne e ovos, cacarejando feito uma ave galiforme,
fasianídea, enquanto você canta de galo por aí. Um dia hei de arrancar-lhe os
testículos pela boca, extirpar cada um de seus orgãos reprodutores, e acabar
com sua criação de espermatozóides e testosterona, para que você não
possa ter filhos. Afinal, a humanidade não precisa de mais um inútil no
planeta. Então, arrancar-lhe-ei o texto pelos testículos. Os textículos pela
alma. E a alma pela boca. Para ver se assim, com o sentimento à flor da pele e
o orgulho ferido, você percebe que eu só digo aquilo que você merece ouvir.
Afinal, começar o dia humilhando um idiota como você, não tem preço'.
Ao ouvir tamanho despaltério, entre uma
lágrima e outra, permaneci em silêncio. Passado alguns minutos, recolhi-me do
chão, e fiquei me perguntando o que leva alguém que eu amo, a me dizer palavras
tão duras. O que leva alguém a chutar cachorro morto? O que é mais fácil,
recolher a carcaça ou espantar o urubu? Eu sempre fui um marido presente. Fiz o
que pude para fazer do meu casamento uma união estável e feliz. Mesmo a trancos
e barrancos, nunca faltou-nos conforto e comida na mesa. Quando Alice
me conheceu, sabia que eu era um sonhador colado à alma de um poeta. Mesmo
vivendo com a cabeça nas nuvens, sempre mantive os pés enxertados ao chão.
Sempre acreditei que a única função da Arte, é fazer do artista um ser
moralmente pensante. E mais que isso: Todo artista tem a obrigação de fazer do
seu ofício, a porta de entrada para o coração do outro. Para mim ter sucesso e
ser famoso, só serve para dizer as pessoas, que elas devem fazer o bem sem
olhar a quem. Pois todo artista tem a missão de passar valores morais e dar o
exemplo. Porque a mudança interior não se dá apenas por palavras, mas também
por ações. Sei que estou no caminho certo... Estou caminhando e é isso que
importa. Mas confesso que agora, depois de ouvir tamanho despropósito, meus
textículos doem. Jazem ao chão feito moribundos. Ao rasgar os manuscritos do
meu mais recente trabalho, Alice não só matou o meu livro, mas maculou o amor
que sinto por ela. Não vejo mal nenhum em dizer ao outro que ele pode ser
melhor do que é. Prego a paz e o amor entre os homens, porque acredito nisso.
Acho inconcebível, depois de velho, ter que mudar a minha forma de pensar,
começar a escrever livros de “auto-ajuda” e trocar minh'alma por um best-seller
de conteúdo duvidoso. Porque o que vejo por aí, indossa a idéia materialista,
que diz que para ser feliz é preciso idolatrar o dinheiro. Para mim felicidade
não tem nada haver com isso. É uma pena perceber que a essa altura da vida, nem
a pessoa que mais amo, me compreende. Sim, eu acredito no ser humano. Por isso
procuro enxergar o que há de melhor no outro. Para mim pouco importa se meia
dúzia de pessoas não está nem aí para o sofrimento do outro. Eu amo e ponto.
Amo o gay, amo o hétero, amo o rico, amo o pobre, amo o branco, amo o negro,
amo o profano e amo o sagrado. Só não gosto do espetáculo midiático, porque
acho que o bem que se faz, não precisa de merchandising. A boa ação vira
afetação, quando o bem que se faz, vira Circo Romano. Escrevo para aqueles que
se importam, que se comprometem, que sabem que se queremos fazer do mundo um
lugar melhor, temos que arregaçar as mangas e oferecer ao mundo o melhor de nós
mesmos. Eu sou aquele tipo de pessoa que se emociona e chora, quando vê alguém
passando necessidade. Perco o sono quando alguém me pede socorro e não posso
ajudar. Logo eu, que sou tão talentoso, ganho tão pouco com a venda dos meus
livros, que quase não consigo dar de comer a mim; que dirá a todos que tem
fome. Mesmo assim, faço o que posso para saciar o apetite da alma, daquele que
cruza o meu caminho. Porque ninguém passa por mim, sem que eu possa doar o meu
afeto. Eu escrevo pelos deserdados da Terra. Pelos pobres de espírito. Pelos
sofredores que se apóiam na fé. Por aqueles que foram esquecidos no meio da
rua. Ou, que sofrem ao relento. Ou, que abrigam-se nas marquises. Ou, ao redor
da ponte. Ou, embaixo do viaduto. E por aqueles que do alto de seus castelos,
sentados em seus palácios suntuosos, refestelados em suas mansões faraônicas,
olhando a vida a partir do abismo de suas coberturas cinematográficas, em meio
a carros importados, viagens em cabines de luxo, tomando champanhe francês com
caviar iraniano na primeira classe de uma aeronave de ouro, degustando toda
espécie de tesouros materiais, e que, ainda assim, são mais pobres que o mais
humilde dos homens. Sim... é por eles que escrevo. Por isso, calei-me quando
Alice me disse aquelas coisas horríveis. Por solidariedade a ela. Não acredito
que quem cala, consente. Para mim, quem cala tem o bom-senso de entender que
quando um não quer, dois não brigam. Naquele instante ela precisava deixar
escapar pela boca, todo o fel que guardara no coração. Mas não farei o mesmo...
Minha vida pode não parecer grande coisa, mas não tenho uma gota de veneno no
meu espírito. Por isso coloco açúcar e afeto nas palavras... Porque quero que o
meu espírito chegue naturalmente à alma das pessoas. Falo sobre o que
sinto e sou. Não almejo ser politicamente correto. Simplesmente quero ser
justo. Pois a minha vida é pautada pelo seguinte raciocínio: Sempre somar,
nunca subtrair, sempre multiplicar, nunca dividir. Agindo assim, sei que posso
estar fadado ao fracasso financeiro. Porque sou um apóstolo do amor. Não um
homem de negócios... A minha ambição não ultrapassa o limite de um sorriso.
Desde o dia que nasci, sigo a lição de Francisco de Assis, que diz: “É dando
que se recebe”. Assim vivo com dignidade. Não me sinto como um louco pregando
no deserto. Mas como um homem em busca de si mesmo. Portanto, continuarei
fazendo o meu trabalho voluntário, escrevendo sobre os sentimentos humanos,
amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo, pagando o
mal com o bem, repetindo que fora da caridade não há salvação, orando e
vigiando, evitando fazer o mal e procurando fazer o bem, chamando de
bem-aventurados os pobres de espírito, pregando para os puros de coração,
amando os mansos e pacíficos, acreditando que há muitas moradas na Casa de meu
Pai, compreedendo que ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo,
chamando de bem-aventurados os aflitos, amando os meus inimigos, fazendo com
que minha mão esquerda não saiba o que faz minha mão direita, honrando pai e mãe,
entendendo que não se pode servir a Deus e a Mamon, orando por aqueles que me
caluniam, acreditando que se for ofendido, ao invés de revidar, é minha
obrigação virar a outra face, porque sei que a fé transporta montanhas. E farei
mais: Procurarei não separar o que Deus uniu. Porque sei que ajudando-me o céu
me ajudará. Mesmo com a alma em frangalhos, aprendi a dar gratuitamente o que
recebo gratuitamente. Porque hoje sei o que é pedir misericórdia e obter paz.
Portanto, não peço mais nada a Deus, além de poder secar o suor do rosto com o
fruto do meu trabalho. Quero enxergar o outro com humildade, escrever os meus
livros, pagar as minhas contas e simplesmente viver. Para tal, fecho os olhos,
respiro fundo, seguro na mão de Deus e vou.
Você pode me achar um tolo, mas sou o que sou.
Não vou me prostituir por um saco de dinheiro nem vender a minha alma por um
subterfúgio sequer. Posso parecer barato, mas não estou à venda. Quanto a você,
só tenho uma coisa a dizer:
Acorda, Alice!
® ACORDA, ALICE ™ © copyright by Carlos Alberto Pereira dos Santos 2011
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY CARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS
Oi Betto! A galera do Twitter enlouquece quando lê que você postou um novo texto no blog. Você é um sucesso, meu Rei! Abs!
ResponderExcluirConcordo com o Filipe, Betto. Vida Longa ao Rei, meu Rei! Abraço, fera!
ResponderExcluirO seus textos são muuuuuuuuuuuuuuuuito bons! Beijos!!!
ResponderExcluirBetto Barquinn... Um absurdo de bom! Amei o texto, gato. Bjs!
ResponderExcluirBetto, os seus textos são tão bem escritos e falam tantas verdades que é impossível não te admirar. Delícia de texto, meu Rei! Bjs!
ResponderExcluirMais uma vez você me deixa sem palavras! você é o máximo!!! Abs!
ResponderExcluirVocê é um ótimo escritor, Betto! Parabéns!
ResponderExcluirMuito, muito, muito bom! Cara, você é 10! Ab!
ResponderExcluirTexto surpreendente, Betto! Adorei! Bjs!
ResponderExcluirUm cara inteligente e gentil, só poderia escrever textos maravilhosos! Além de lindo, você é o máximo, Betto! Bjs!
ResponderExcluirComo sempre, o melhor! Adorei!!!
ResponderExcluirAdorei o texto, Betto! O seu blog é ótimo! Abs!
ResponderExcluir