MARIAGE D’AMOUR
Entre Coéforas e Andrômaca:
Eu percorri mil léguas sesmarias sob sol
escaldante. Depois de dois dias e duas noites, a sede era para mim o véu sob o
céu. Eu tive ganas de desistir, de abortar a caminhada, mas a vontade de viver
era mais espessa (e urgente) do que a possibilidade da morte. Então fiz dos
meus calcantes, asas: e dei a volta ao mundo. Quando parei, não sei se depois
de polegadas, pés, jardas, milhas, milhas náuticas, milímetros, centímetros,
metros, quilômetros, palmos ou léguas marítimas; cansado, — era como se
caminhara cem mil vezes três mil braças.
Havia uma montanha em minha parada. Atrás, um
monte. Após, um copo d’água. Não entendi a imagem, nem o que um cálice cheio d’água até a borda, fazia atrás de uma montanha depois do deserto. Meus dias
foram jogados de um canto a outro até então. Aquilo que eu chamava de vida
(ou achava que era viver) nada tinha a ver com a sensação daquela água
escorregando da taça para os meus adentros. Nasci de novo naquele instante. A
água salvou-me a vida. E olha que eu nem sabia até aquele momento o que era
viver. Saciado, corri de mim até dar no deserto dos meus dias
passados. Antepassados. Contudo, não era meu destino voltar. Assim, descansei a
cabeça em uma pedra. Acordei com o crânio dolorido. As pedras do caminho não
são as melhores conselheiras, que dirá travesseiros.
Ali havia um leão. Faminto. Ele me dava a
patinha enquanto sacudia a juba. O leão era feroz e doce. Bravio e edulcorado.
Não sei explicar. O leão trouxe-me mel de abelha, colocou um prato em minha
frente, serviu-me do mel de dedo, virou-se de costas e sumiu no meio da mata.
Faminto, comi. “Ele sabia, por isso foi embora” —
pensei. Sabia que se ficasse, seria comido por mim.
Por isso trouxe mel de pau. Por isso serviu-me no prato. Por isso, após me
ver degustar o mel de uruçu, sussurrou: “Quem nunca comeu melado, quando come, se
lambuza”. Isto posto, meteu-se no bosque e desapareceu como quem vai para
pôr-se ao sol.
Eu percorri mil léguas sesmarias sob sol
escaldante. E não encontrei nada no mundo além de mim.
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TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY CARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS
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