THANK YOU FOR LOVING ME


                             I’ll be here when you get back:

— Eu errei — disse o escritor ao espelho. — Errei profundamente. Exprimi cousa horrível a quem amo. Usei da arte de Camões para ofender. Logo eu, que não sei fazer outra cousa a não ser escrever, empreguei o meu talento contra mim mesmo. Destruí a minha vocação. Fui tão infeliz em minha fala, que certifiquei a quem amo, que tal impropério era verdade. Mas não era. Eu menti. Pois fiquei com raiva ao ver-lhe em fotografia colorida, sorridente, ao lado de seu atual namorado. E você usava, Deus!, blusa verde que lhe dei em Dia dos Namorados. Então senti-me menosprezado; diminuído. Destarte; movido pelo ciúme, disse cousa que só em pensar, sinto raiva de mim. Cousa, que se ousasse expressar em voz alta, romperia-me os tímpanos. Como é que se diz algo sem pensar? Como alguém movido pela inquietude da alma; com o espírito em frangalhos, o corpo em chamas e o coração ao avesso, é capaz de magoar a quem ama? Como?! Logo, sinto-me o mais infeliz dos homens.    

O escritor inquiriu a si defronte ao espelho, que ao refleti-lo com a alma nos olhos; tal a vastidão de sua dor, tornou-se um espelho d’água. — Há um rio que deságua em mim, — declarou. — Um rio de lágrimas.

Minutos depois, ao telefone, o escritor pronunciou:

— Por favor, me perdoe. Eu lhe amo de verdade. Esquece o que eu disse, ou ao menos, releve. Nada do que falei é efetividade. Por amor, não seja indiferente a mim. Não quero atrapalhar a sua vida. Muito menos lhe fazer mal. Sei que você está com outro homem; que levou-o em casa; que apresentou-o à família; que aninhou-o nos braços de seus amigos de longa data; que assumiu para o mundo essa relação. E confesso, se você tivesse feito o mesmo comigo, eu não teria me sentido inseguro, e as coisas não teriam chegado onde chegaram. Você devia ter me assumido como seu; apresentado-me para a sua família; abraçado-me na rua; beijado-me na hora em que cada um de nós seguia o rumo de casa; ter dado mais nós em nossos laços; ter saído do trabalho direto para os meus braços; ter me buscado na faculdade; ficado comigo no ponto de ônibus; segurado mais vezes a minha mão; gritado para o mundo que eu sou o seu mundo. Cousa que, com ele, você fez desde o princípio. Você não pensou duas vezes antes de expor-se ao lado dele em rede social. No alto de seu perfil, colocou-o em um pedestal. Tudo que eu sempre quis, a ele você deu. E mesmo assim, continuo lhe amando. Acontece que você marcou-me diametralmente. Tanto, que quando penso com quem gostaria de passar o resto dos meus dias, vejo refletido no espelho de minh’alma, a imagem do seu rosto. É com você que eu quero estar, de hoje ao infinito, sem conclusão de curso. É ao seu lado que desejo construir uma família. Quero viver o que me resta de juventude, e preparar-me para a velhice, sabendo que você está aqui para me fazer companhia. Por isso, recebo-lhe por meu amor a você, e prometo ser-lhe fiel, amar-lhe e respeitar-lhe, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. Volta para mim! Sei que será difícil desconstruir tudo que você ergueu por esse homem. Há família envolvida. Há a sociedade, que cobra. Há de se dar explicação a quem acompanhou esse enlace. E talvez, a empreitada seja mais árdua que ‘Os Doze Trabalhos de Hércules’, o são. Entretanto, se ao pensar em mim o seu coração bater mais forte, não titubeie: volta para mim. Sem você, sou um homem partido ao meio. Um inculpado arrastado ao cadafalso. Sem você, sou o vazio jogado às traças. Uma alma solta ao vento. Sem você, o deserto. Sem você, cousa alguma. Sem você, cão sem dono. Sem você, solidão.

Dessarte, o escritor calou-se. Pois a sua voz estava de tal modo embargada, que ele precisou desligar o telefone para chorar. Ao expulsar da alma semelhante dor, balbuciou:

— Eu estarei aqui quando você voltar.

***

Certa feita, Camões escreveu:

“Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”


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Comentários

  1. Parabéns, Betto! Este texto é de uma verdade tão grande que fiquei emocionado ao ler. Quem de nós não amou e não foi correspondido, não é mesmo? Você tem a preciosa graça de fazer mágica com as palavras. Um escritor genuinamente formidável. Um forte abraço, senhor Barquinn. Vida longa ao rei!

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  2. José Antônio Donatelli6 de janeiro de 2015 às 13:37

    Você é encantador, caro Betto Barquinn. Além de ser um gênio com as palavras é apaixonante! Sucesso, meu caro. Você merece, Barquin!

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  3. Anderson Martins da Silva Rocha7 de janeiro de 2015 às 08:22

    Fico muito feliz com seu trabalho. Você é jovem, maduro, extremamente competente, e tem uma veia artística que foge aos padrões convencionais. Quanto talento, Barquinn! E é óbvio em seu trabalho a pesquisa, a excelência acadêmica, o zelo com que você constrói seus personagens e suas histórias, e a primazia de nossa amada Língua Portuguesa . Este seu "THANK YOU FOR LOVING ME" é um achado! A história é tâo real, e remete a tudo aquilo que todos nós vivemos e sentimos ao longo das nossas vidas, que torna-se uma experiência memorável. Parabéns, escritor. Você é maravilhoso.

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  4. Luiz Wagner Souto Maior11 de janeiro de 2015 às 06:12

    Qualquer um que não for capaz de enxergar neste texto o verdadeiro amor, inclusive de for o alvo deste, é um estorvo para a humanidade. Parabéns, Betto. Impecável como sempre. Abs!

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