SÓ QUE NÃO


Ilusão, desilusão e virada de mesa:

Uma amiga minha me dizia que casamento sem amor é igual a parto sem dor. Deixa-se de viver com exatidão o momento e fica-se com aquele gostinho de que poderia ter sido e não foi. Eu sempre lhe perguntava por que não se separava. Ela me respondia que era por causa dos filhos. Um dia soube que foi assassinada. O marido tinha um 38 em casa.

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Antônia nunca quis se casar. Já na casa dos quarenta vivia como se porta todo aquele que é solteiro: livre como um pássaro. Alguns homens passaram por sua vida, mas não ficaram. Dizem que até com mulher já saiu. Não sei ao certo. O que se deu é que o tempo passou, a vida seguiu o seu rumo, deixando-a solitária. Hoje recebi um cartão-postal, e para meu espanto, era de Antônia. Mudou-se para a Espanha, lá conheceu um artista plástico, teve três filhos, e vai muito bem, obrigado.

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Gilberto é um cara engraçado. Vive rodeado de mulheres, entretanto vive sozinho. É solteirão convícto. Um dia confidenciou-me que se casaria se encontrasse a sua alma gêmea. Mas como se acha muito feio, confessou-me que se a mulher de sua vida tiver a sua cara, melhor nem chegar perto. Tem quarenta e nove anos, todavia não parece. Se não o conhecesse, daria-lhe uns trinta.   

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Pablo é um marido perfeito. Em seu trabalho toda mulher que convive com ele, declara: “Se eu pudesse, com Pablo me casaria”. É o único homem no meio de vinte e cinco mulheres. Não é de se abismar que faça o sucesso que faz. Sua esposa é um doce. Tão dulcificada que parece saída de um Conto de Fadas. Estão juntos desde a adolescência e lá se vão vinte e dois anos. Pablo arruma a casa, cuida dos filhos, manda flores para a esposa toda semana. Aposto que deve ser bom de cama. Há sujeito que nasce virado para a lua.

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Mônica é donzela. Virgem do pé ao pescoço. Mas também pudera, ela só tem dezessete anos. Diz que casar-se-á pura. Acredito. Mônica é o tipo de pesssoa que cumpre as promessas que faz. 

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Caetano é sujeito homem. Cabra macho, sim senhor. Mas por causa de um grande amor, estiolou.

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Felizberto não é engraçado apenas no nome. É o tipo de homem que parece que nasceu com o dom de fazer o outro rir. É bom de contar piada o rapaz. Tem uma de papagaio que toda vez que ele narra todo mundo cai na gargalhada. Ouvi dizer que Felizberto é gay. Mas não sei.

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Ella sempre quis casar de branco, de véu e grinalda, com direito a buquê de flor de laranjeira. Mas era fácil demais, a infeliz. Saía com qualquer um que lhe trouxesse uma caixa de bombom e uma garrafa de vinho do Porto. Acabou só, a desventurada. Morreu de pancreatite.

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Bruno é jogador de futebol. Desde pequeno era bom com a bola no pé. Um dia foi descoberto por um olheiro e foi jogar na Europa. Ficou rico, o sortudo. Bruno é pé-quente. Tem toque de Midas, o filizardo. Tudo que toca vira ouro.

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Patrícia é uma mãe invejável. Consegue cuidar dos filhos, arrumar a casa, trabalhar fora, e ainda cria um sobrinho, dois cachorros e um gato. Mãe solteira, diz que não precisa de homem nem naquelas horas que um homem faz falta: abrir latas e garrafas, trocar uma lâmpada, dar uma geral na parte elétrica da casa. Tudo isso ela faz com os pés nas costas. Naqueles momentos em que sente-se só, lança mão do vibrador e relaxa. Patrícia sabe das coisas: dá nó em pingo d’água. 

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Martha gosta de mulher. Tentou ser bi, mas não soube. Agora é lésbica declarada. Casou-se outro dia. A sua esposa, pasmem!, é a cara da Angelina Jolie.

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Toda vez que falo com Lia ao telefone, ela diz: “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”. Lia é louca por Fernando Pessoa e por mim. Ontem liguei para Lia, mas ela não atendeu. Saí. Quando voltei para casa havia na secretária eletrônica uma mensagem: “Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens”. Era Lia. Ou melhor, Fernando Pessoa.

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Marcos passava a noite inteira no bar. Eram horas e horas jogando conversa fora. Chegava em casa de manhã. Havia dia que ia para o trabalho trançando as pernas, de tão ébrio que estava. Marcos só tomava cachaça. Casado, tratava a esposa tão mal, que parecia que ela era sua escrava. Quando descobriu que ele estava com cirrose hepática, ela poderia tê-lo deixado, que todo mundo entenderia. Só que não. Ficou ao seu lado como prometera ao padre: na saúde e na doença. Na ocasião em que os rins dele pararam de funcionar, ela não pensara duas vezes. Levava-o à hemodiálise três vezes por semana. Rins ruíns e fígado podre, como era de se esperar, Marcos morreu. Nenhum amigo do boteco veio render-lhe condolências. Aliás, nem uma pessoa além da esposa compareceu ao velório. Devastadoramente só, a mulher que passara a vida esperando seu homem voltar da bebedeira, teve um ataque de riso, e bradou: “Bem feito, ordinário!”. Ao cuspir-lhe a cara, ali mesmo trocou de roupa, colocando um short e um top de lycra. E antes mesmo de dobrar a esquina do cemitério, gritou de felicidade: “Partiu baile funk!”.   

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Ela tomava cápsulas de goji berry para emagrecer. Não perdeu um grama. Rotunda como um barril, esteve prestes a fazer a famosa cirurgia bariátrica, até que conheceu o iogurte grego e apaixonou-se por ele. Dizem que agora mora na porta de uma geladeira frost free.  

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Rogério vive um casamento infeliz. A mulher bebe, briga com ele, diz coisas tão horríveis; que até se ele tivesse culpa no cartório, seria difícil engolir. Rogério é um sujeito triste. Tal como minha amiga que dizia que casamento sem amor é igual a parto sem dor, nunca quis se separar. Ouvi dizer que ele às vezes apanha da esposa. Não dá queixa por que tem vergonha de ir à delegacia. Ele poderia se beneficiar da Lei Maria da Penha, mesmo sendo homem. Contudo, nada faz por si. Não vou dizer que tenho pena do Rogério, porque pena é a coisa mais última que deve-se sentir por alguém. Prefiro dizer que nutro por ele maviosidade. Após anos de sofrimento, por causa dos filhos, o enlace manteve-se intácto. O divórcio foi evitado, é verdade. Mas o casamento acabou.   


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