O DIA QUE DORMI E ACORDEI MICHAEL JACKSON


Michael Joseph Jackson (1958 - 2009)



Eu não tenho o hábito de me maquiar. Mas hoje sem quê nem porquê, sentei-me à penteadeira da minha esposa, e lá estava eu, perguntando a ela como ficar branco. Maluquice da minha parte, mas a sociedade vez por outra, obriga a nós negros, a darmos uma esbranquiçada. Minha esposa, que acha tudo muito natural, até mesmo ver o marido preocupado com coisas nada edificantes, explicou-me que com um pouco disso e muito daquilo, eu poderia ganhar, digamos, uma aparência mais branquinha. Levando os seus conselhos ao pé da letra, após tomar alguns litros de alvejante e usar hidroquinona 4%, minha makeup estava pronta. 'Agora eu sou, sem sombra de dúvida, um homem branco' – pensei. Fiquei olhando-me no espelho, imaginando o que o porteiro diria se eu saísse assim bem branquinho, todo trabalhado no moonwalk, e passasse pela portaria dizendo que ia comprar pão. Pensei no  síndico... E na mulher gostosa do síndico. Pensei na minha sogra. Pensei na fofoqueira do 402.  Pensei em tanta gente, que quando me dei conta, já estava parado ali – à frente do espelho, por quase duas horas.





Foi aí que me lembrei o motivo de naquele dia, e devo sublinhar, somente  naquele dia, ter querido ser branco. Foi por causa de um sonho. Na noite anterior, sonhara com o Michael Jackson. Aquele mesmo que todo mundo conhece: O Rei do Pop. No sonho, por algum estranho motivo, que por mais que eu faça um esforço sobre-humano, não consigo recordar, havia me transformado no cara. Eu não estava sonhando com o Michael. Eu era o Michael! Lembro-me que estava num hotel em Las Vegas, fazendo vocalize à frente do espelho, preparando-me para subir ao palco e cantar: Childhood. Aí me deu um nó na garganta... Imaginei como o Michael deve ter sofrido. Crescer numa sociedade racista deve ter sido uma barra. Afinal, antes da maquiagem, eu também era negro. Não era difícil colocar-me no lugar do cara, tendo nascido no Brasil – que é sumariamente falando – um país  racista. Ser negro no Brasil de hoje ou nos Estados Unidos dos anos sessenta, dá no mesmo – se a sua sociedade não presta. Até quando o assunto é  sobre racismo ou preconceito, a gente está atrasado em comparação ao primeiro mundo, pelo menos uns cinquenta anos. Aí eu pergunto: 'Who's Bad?'. Um país que após cinco séculos do seu descobrimento oficial, passado sessenta anos desde a inauguração da TV no Brasil, vangloria-se por finalmente, ter o primeiro galã e protagonista de telenovela negro, só pode ser um país de mentirinha. No melhor sentido ficcional da palavra, é claro... No país do faz de conta, preconceitos velados fazem parte da Cartilha de Boas Maneiras. Num lugar onde respeito é apenas uma palavra no dicionário, nada mais politicamente correto que ser falso e mentiroso. Deve ser por isso que as pessoas gostam tanto de carnaval no Brasil. Porque com ou sem fantasias, elas podem fingir que são, o que não são, por mais quatro dias. Mas não se sinta ofendido(a)... Esta é uma Obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Mas voltemos ao Michael... Como eu, ele deve ter chorado bastante. Ainda mais sendo uma criança negra no mundo dos adultos brancos. Porque mesmo tendo trabalhado tantos anos para a Motown Records, uma gravadora negra, o show business não se importa com a cor da sua pele – desde que você seja branco. Se o indivíduo não for a reencarnação do Zumbi dos Palmares, após anos de exposição na mídia, ele acaba ficando meio transparente, translúcido, albino, mergulhado em água sanitária ou cloro; quase invisível aos olhos. Enquanto o outro enxerga-lhe, mas não vê quem você é de verdade, parece que a realidade vai esvanecendo – apagando-se no universo. Entretanto, mais difícil que ser uma criança no mundo dos adultos, deve ser; ser um adulto no mundo das crianças. Assim eu, o Michael Jackson falsificado, vivi no sonho, a dor que ele, o Michael Jackson real, deve ter sentido na pele. Após “Childhood”, saí do palco e não quis mais cantar. Aquele nó na garganta tornou-se insuportável. Cantar agora era a última coisa que eu desejava fazer.


Eu conheci o Michael Jackson quando ele ainda não era branco. Inacreditável: Como eu, o cara um dia já foi negão! Vitiligo à parte, a sociedade racista deixa a gente cada dia mais branco, como comercial de sabão em pó. Uma pena... Há gente bonita em todas as raças. Todo mundo é belo, não importa a cor. Sendo assim, aviso aos navegantes: A partir de agora, volto a ser negro. 

Canta Black or White, Michael!






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Comentários

  1. Betto, mais uma vez você me deixa extremamente emocionada. Querido, que texto foda meu! Adorei! Parabéns!

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  2. Cara, você é 10! Maravilhoso, Betto! Maravilhoso!

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  3. Oi Betto! Muito bom este conto. Fico muito orgulhoso em saber que um escritor tão bom como você vive no Brasil. Você é um escritor perfeito! Para todos nós, seu leitores, é um privilégio vir ao seu blog e poder degustar textos tão bem escritos. Gostaria de ver o seu trabalho em outras mídias, como revistas e jornais. Uma coluna sua, certamente será um sucesso em qualquer veículo. A sociedade brasileira precisa ter mais contato com o seu trabalho. Independente de ser negro ou não, você toca sensivelmente nos assuntos inerentes à raça humana. Sucesso, Betto. Você merece! Abs!!!

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  4. Cara, você é o máximo! Parabéns!

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  5. Lindo, Betto! Lindo!

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