SORRY
Secret...
Ou… Madonna.
Ou ainda… Rainbow.
Ou, quem sabe… Clap Your Hands!
Terezinha acordou vintage de brechó de quinta, vestida com um “chanelzinho” costurado com glitter – comprado na 25 de março. Do alto da sua anorexia nervosa, sentia-se bonita e gorda feito uma porca. Repaginada feito um canteiro de obras, customizada até o quinto dos infernos; chorava. Uma plástica agora seria ouro sobre azul – pensou. Ledo engano... Uma plástica agora seria à morte. Afinal, depois de mexer tanto no rosto, quando olha-se no espelho nem sequer se reconhecia. Horas parecia-se com a Madonna. Em outras, Rita Hayworth. De perfil, Angelina Jolie. De vez em quando, Brad Pitt. Em muitas, Marilyn Monroe. E na maioria das vezes – com a macaca Cheetah. Ficava meia dia se maquiando, tentando encontrar a si mesma debaixo daquilo tudo. Parecia cada vez mais jovem, embora passasse dos cinquenta e oito anos e meio. Todos diziam que apesar da idade, ela estava bem conservada. Ao ouvir tamanho despautério, sentia-se como um pote de picles em conserva – muito bem conservado. Esse era o preço de querer ser jovem para sempre. Tinha tantas cicatrizes atrás das orelhas, no canto dos olhos e no meio das pernas, que se esticassem aquela pele toda, dariam a volta ao mundo. A beleza eterna é um preço muito caro para quem começa a envelhecer – pensou. Melhor isso que o anonimato – concluiu. Uma estrela é sempre uma estrela. Quem é rainha nunca perde a majestade... Portanto, voltaria a ocupar um lugar de destaque no cenário cultural do país – nem que para isso precisasse matar o presidente! Em breve seria chamada para estrelar a próxima novela das 8 – profetizou. Ou se não, faria a novela das 6 mesmo... O importante era estar na mídia, mesmo que fosse num remake de quinta, ou na pior das hipóteses, na trilha sonora do “Vale a Pena Ver de Novo”, cantando: “Keep It Comin' Love”.
Terezinha tinha sido uma atriz muito famosa, daquelas que davam autógrafos até debaixo d' água. A imprensa internacional há décadas vinha elogiando a sua beleza, graça e juventude. Muitos homens haviam suicidado-se por ela, esperançosos de um dia a reencontrarem no céu. O plano era chegar lá antes dela, e preparar um castelo em sua homenagem, apoiado nas nuvens – pensavam. Acabavam parando no inferno, ou na melhor das hipóteses, voltavam para o Purgatório. Lugar de onde, aliás, nunca deveriam ter saído. Assim, acostumou-se a ter o mundo a seus pés, mandando em tudo e em todos – até o dia que o sucesso acabou. Agora estava solitária – perdida em algum lugar de si mesma. O telefone parara de tocar havia cinco anos. Os convites para às novelas cada vez mais escassos; nunca apareciam. De vez em quando era convidada para atuar em alguma peça de teatro. Mas estava cansada de viver sempre o mesmo papel da avó safenada da empregada da bisavó da tia da prima do poodle da protagonista – estrebuchando na mesa de cirurgia, rota e mal amada, jazendo feito alma penada. Não havia feito tantas cirurgias plásticas para ser a avó do cachorro de ninguém. Não tão jovem quando queria... é verdade. Mas parecia ser. E isso era o que deveria importar... A idade é um estado de espírito – pensava. Sendo assim, ela sentia-se como se tivesse recém saído das fraldas. Portanto, recusava todos os convites para o teatro. Pensou em abandonar os palcos e a TV e migrar para o cinema. Mas as produções eram ruíns, faltava dinheiro para finalizar a película, o cachê era péssimo, e os diretores sempre vinham com aquele papinho de “tudo pela arte”. 'Além disso, quase todo diretor era tarado ou pão-duro ou estava de pau duro. Um horror!' Aí ela pensava: 'Quem quer pouco, farelos come... Já estou velha demais para trabalhar por um copo de xarope de groselha... Filhos da mãe! Não me peçam de graça a única coisa que tenho para vender!'. Dito isto, tacava um cinco ou seis tarja-preta para dentro, entupindo-se de Cosmopolitan com energético – até se acalmar. 'A vida é mesmo muito dura – pensava. Um dia jovem, rica e famosa. No outro, velha demais para ser protagonista. Haja tarja-preta!'. Sonada e um tanto quanto nauseabunda, olhou-se no espelho e não reconhecendo aquele estranho rosto acima dos ombros, completou: É horrível viver com uma corda no pescoço, sem ter ao menos o direito de se enforcar. Suicídio é crime aqui e na Cochinchina. Homícidio também. Viver é um tipo de parto... Dói, mas vale a pena. Então, “cálice”, e me deixe dormir.
Terezinha sentia-se solitária como um biscoito de água sem sal. 'Não é fácil ser a última bolacha do pacote' – pensou. Ela se achava o Mac das artes cênicas! A cereja do bolo! Mas não era essa coca-cola toda... Seu problema era que falava demais... Tinha a boca larga! Não servia para guardar segredo... Falava tudo que vinha à cabeça. Não media às consequências... Não tinha papas na língua. Sua boca era maior que a bunda da Mulher Melancia! Aí vinha o troco... Ou melhor, a multa! Para cada degrau que subira, a vida obrigara-lhe a descer outros cem. Quando acordava assim, tão deprimida, dizia: 'Eu quero que o destino me veja a mim como o lado imaterial de nós dois. Sempre teremos um ao outro. E isso é muito mais do que a maioria de nós sonhou ter a vida toda. Mas odeio quando o destino tem ciúme de mim... O ciúme é o tempero que azeda o prato do amor. É o momento que precede o início da descida da montanha-russa. Daí para frente é o abismo ou o asfalto quente. Não quero esse destino para nós dois... Busco àquele sentimento de sobrenome Ágape. Incondicional. O ciúme é só o medo? – pergunto-me. O ciúme não existe mais, minha senhora. O ciúme é só um instante – respondo-me. Está amarrado! – completou. O ciúme é um emaranhado de dias ruíns e não serve nem como início de uma boa história. Cada sentimento que tenho, tudo que vivo no meu pequeno Oásis de intimidade, traz-me o alimento preciso para viver. E mesmo não sabendo de fato quem sou, sou todas e sou muitas, revisitando-me em infinitos pedaços, para algum dia, quem sabe, voltar a ser – infinitos-eternos. Minha vida é uma tragédia em branco e preto, que nenhuma atriz em sã demência ou em doentia consciência, ousaria interpretar. Uma mulher com o coração dilacerado até a raíz do pescoço. Destronada até o pó do osso – sem rei e sem coroa. O que está amado não pode ser odiado. O que está falado não pode ser calado. O que está encorajado não pode ser medrado. Quando a realidade parece ficção é hora de fazer teatro. O ciúme tentou me convencer a deixar de ser tridimensional. E eu respondi: No palco até pode ser, mas na vida, não contraceno com amadores! Acho que bebi demais... Preciso voltar ao centro do palco e dar um rumo à minha vida... Som na caixa maestro! Ré menor, por favor. Toca Raul! Quer dizer, “Je T'aime... Moi Non Plus”, please.'
Terezinha sorriu ao imaginar-se voltando à novela das 8. Todos que achavam que ela havia morrido, iriam cair do cavalo ao vê-la protagonizar qualquer coisa. Demorou alguns dias, mas finalmente o telefone tocou. Do outro lado da linha, a assistente de um diretor e garçon bem dotado, trazia-lhe o convite tão esperado.
O papel era pequeno, mas de grande visibilidade, já que ela apareceria de quatro lambendo o chão, em quase todas as cenas da novela. Achou um tanto bizarro, mas aceitou. Na semana seguinte, lá estava ela, nua em pêlo, lambendo o chão. A novela foi um sucesso! O seu retorno bombástico foi capa até da Vogue americana. Eram declarações para a Rolling Stone Magazine, documentários para a BBC, ensaios fotográficos para a Playboy japonesa, vídeo-instalação para o Guggenheim de Bilbao... Todo mundo queria saber mais sobre ela! Um restaurante francês na Bósnia Esgorvina, criou um prato com seu nome. Uma atriz pornô iraniana, feminista ferrenha, foi considerada subversiva e condenada à morte por apedrejamento, só porque gritou em praça pública em frente ao Parlamento em Teerã, que achava ultrajante uma mulher contracenar nua numa novela, lambendo o chão. 'Isso não é monólogo!' – bradava. 'Monólogo era o que faziam os gregos! Esse texto é um lixo! Essa história; idem e ibidem na mesma hora! Essa atriz brasileira envergonha as mulheres, fazendo o que faz na novela. As mulheres queimaram sutiãs para se libertarem. Conquistaram o direito ao voto e muitas governam o seu país. Agora vem essa vadia e fica nua na TV. Um ultraje! Vistam uma burca nela! Life is shot, baby! Matem-na imediatamente!' – sentenciou. Minutos antes de morrer apedrejada, essa mesma atriz pornô iraniana, ganhou o Prêmio Nobel da Paz. 'Que ironia do destino' – pensou. 'Isso sim é que é sacanagem!'.
Voltando à Terezinha, ela ficava nano-segundo após nano-segundo, ainda mais jovem. Uns diziam que ela tinha no máximo trinta anos. Outros, que não passava dos setenta. Muito conservada, é claro, feito àquele pote de picles... Nano-segundo desses, após sair da coletiva de imprensa no Copacabana Palace, ao ser perguntada se posaria nua, ela respondeu com outra pergunta: 'Se pagar bem, que mal tem?'. Dito isto, arrancou a roupa e correu nua para o mar, cantando: “Sucesso, Aqui vou Eu!”.
Terezinha com o seu papel pequeno – aparecia mais na novela que a protagonista. Afinal, estava em quase todas as cenas, lambendo o chão. Só ficava um pouco revoltada, fula da vida mesmo, quando gravavam alguma externa na praia, e ela ficava com a língua cheia de areia. Seu pequeno papel vinha com uma pequena fala, que interpretava antes de cada comercial. O texto não era feito para ser lido, mas consumido entre quatro paredes. O público havia aprendido de cor e salteado. Líderes religiosos, políticos, intelectuais, analfabetos... Todos sabiam o texto na ponta da língua. O texto fizera tanto sucesso, que o ministro da Educação propôs usá-lo nas escolas primárias. Sendo assim, virou mania nacional todo mundo dizer: 'Eu te amo porque eu preciso. Eu te traio porque eu te amo. E viveram felizes para sempre? Não! Só os diamantes e as baratas são para sempre. Cala a boca, otário! Os diamantes não são para comer! Por isso, apaga-te pequena chama, para que de ti não me recorde sequer a sombra da tua luz. Ódio só sente quem tem mágoa, porque quem é odiado não sente nada. O que falo não tem nexo? Tem sim, benjamim! Falo do diálogo da mulher com o seu espaço, através do amor, seu doutor! Se segura malandro! Comigo, só casando! E se liga meu irmão, atrás nada entra, só sai!'. Assim terminava a cena e seguíamos para o reclame comercial. Mas não sem antes cantarmos “Terezinha”, do Chico Buarque. Os nossos comerciais, por favor!
No dia anterior ao encerramento da novela, soubemos que Terezinha havia suicidado-se com um alicate de unha, ao saber que o seu contrato não seria renovado. Tanto “mico” por nada – pensou. O elenco estava desolado. Meses gravando, para a novela acabar sem final. O último capítulo foi ao ar sem sequer uma cena. Na TV só se via uma tela negra e a imagem do Caetano, cantando: “A Filha da Chiquita Bacana”. Nessa noite, ninguém conseguiu dormir. Nos sentíamos órfãos de nós mesmos, como se tivéssemos sido paridos por uma cachorra com tuberculose. Em resumo, estávamos sozinhos outra vez.
Sem Terezinha, nós do elenco, acampamos na porta da emissora e ficamos nos masturbando ao relento. Sem Terezinha, o que restou-nos foi ouvir: “Glamour Girl” do “Chicks on Speed”.
Sem Terezinha, a audiência parou de dar audiência. E com o último lugar no Ibope, a emissora fechou. E nós do elenco, continuamos acampados à porta da emissora, ouvindo Louie Austen cantar “Glamour Girl”.
Sem Terezinha veio a guerra, a fome, a seca, o fim da camada de ozônio, a extinção da raça humana e a morte do planeta Terra. E nós do elenco ali acampados, masturbando-nos à porta da emissora, e ouvindo “Get Down Tonight”.
Sem Terezinha, restou-nos ouvir mais uma vez: “Get Down Tonight”.
Sem Terezinha, e sós no planeta, nos sentíamos vivendo um amor quase hemorrágico, capaz de levar à morte até o cadáver mais empedernido. Por isso, masturbávamo-nos uns aos outros, ouvindo “That's The Way I Like It”.
Enfim, sem Terezinha, ficamos entregues às baratas. Recusamo-nos a parar de nos masturbar. Decidimos então, que ficaríamos ali até o primeiro dia do resto de nossas vidas. Sem Terezinha, restou-nos apenas... “Shake, Shake, Shake”.
Sem Terezinha, ficamos a nos perguntar: “Cadê Tereza?”.
Sem Terezinha, cantamos: “Terezinha de Jesus”.
Sem Terezinha percebemos que essa vida não dura para sempre. Então me abrace – pensei. Ou simplesmente... Hold My Hand.
Sem Terezinha enfim, chegamos ao fim.
Chegamos ao fim… Sorry.
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Oi amado! Adorei esse conto, Betto! Querido, concordo quando a Marta diz que seu blog é cult. Tudo aqui é muito bom! Essa sua idéia de unir os textos aos vídeos é genial! Seu estilo está cada vez mais maduro... Você é um grande escritor, meu amigo. Muuuuuuuuuuuito sucesso, Betto! Sou sua fã! Amo você! Beijos!!!
ResponderExcluirMuuuuuuuuuuuuuuito bom!
ResponderExcluirOi Betto! Cara, genial esse texto! Me amarrei na história! Você é um brother muito talentoso. Sucesso, irmão! Abs!
ResponderExcluirMA-RA-VI-LHO-SO!!!
ResponderExcluirBetto, descobri o seu blog através do Twitter. Muito maneiro! Concordo com o comentário da menina... Você é muito cult! Lendo o seu conto fiquei com vontade de ser sua amiga... Aliás, seus amigos devem ter muito orgulho de você. Deve ser o máximo poder conviver com alguém tão inteligente e fofo. Estou te seguindo no Twitter! Sua mais nova fã, Rafaela Fonseca. Bjs!
ResponderExcluirEsse blog é tudo de bom! Texto bombástico! God save the king!!! Parabéns!
ResponderExcluirO pessoal do Twitter não fala em outra coisa... Todo mundo querendo saber mais sobre Betto Barquinn. Que sucesso, querido! Adorei o novo conto! Atualíssimo! Você é um eterno pensador da alma humana! Amo os seus textos! Beijos!
ResponderExcluirTudo de bom esse texto Betto! Muuuuuuuuuito sucesso para vc! Beijos!
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